A arrecadação de tributos e a batalha dos deuses: a mitologia se tornou realidade

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No último artigo que escrevemos, sob o título de "Quem muito quer, nada tem": Isso também vale para a arrecadação de tributos, falamos sobre como a guerra fiscal empreendida por municípios no âmbito legislativo federal acabou por prejudicá-los.

De fato, foi uma situação em que não houve vencedores, pois a arrecadação de tributos que se pretendia ver distribuída para todos acabou sendo, na realidade, subtraída de todos.

E foram vários os motivos para isso, desde a péssima redação dos dispositivos que traziam obrigações até a virtual impossibilidade de se submeter o contribuinte a obrigações tributárias inexequíveis.

O Estado Moderno é massacrante com os governados, cada vez mais esmagados em prol do benefício do gigantesco Estado. Embora, é claro, o beneficiário, no discurso, não seja o Estado e o pequeno grupo dono das rédeas, mas, é claro, o "povo", a "população", a "sociedade".

Vivemos mesmo, enfim, a triste época em que bovinamente clamamos por uma "melhoria social", sem nem sabermos o que diabos seria isso. Ninguém mais parece compreender que somente a possibilidade de melhoria individual e pessoal é que pode trazer realmente alguma melhoria de um grupo de pessoas, que podemos chamar, embora a contragosto, de "sociedade".

Nesse contexto, pagar mais tributos parece ser a solução para que as pessoas individualmente melhorem? É para se pensar…

Mas, voltando ao nosso problema, as notícias recentes me fizeram lembrar de quando fui professor assistente em Filosofia do Direito. O ótimo professor a quem eu acompanhava assim disse: "Direito tem muito a ver com Religião e quem não vê isso não percebe corretamente o Direito".

Eu sempre percebi, embora com minhas naturais limitações, uma ligação muito relevante entre Direito e Religião, ligação esta que tentam estereotipar para depois extirpar, em prol do "Estado Laico".

Esse corte, evidentemente, é parte do movimento revolucionário que vem desde a Revolução Francesa, desprezando tudo o que um dia já houve para criar "o novo homem" (e "a nova sociedade") a partir do zero. Já se operou em muitos lugares, mas, aqui, ainda está no estágio de implementação, embora avançado.

Cortar o passado do Direito é cortar o próprio Direito em si. É acabar com as instituições.

Há uma certa mania hoje em falar de "respeito às instituições" e "manutenção das instituições". Só que isso é aplicado quando se fala, por exemplo, do nosso terrível STF ou da Presidência da República, que historicamente dispensa comentários.

São, sim, instituições, mas já criadas em cisão com o verdadeiro Direito. As instituições que também devem ser mantidas, principalmente por aquelas instituições, são os contratos, a segurança jurídica, os limites de tributação etc.. E aquelas instituições têm respeitado essas outras instituições? Estão elas mantendo as instituições? Ou estão depredando-as?

Quando aquele meu professor falou sobre a proximidade entre Direito e Religião, pensei eu na base das religiões ocidentais. Mas, não, apenas. Hoje vejo que essa disfunção do Estado Moderno está nos tragando para remontar os passos das mitologias grega e romana. Essa história lembra, mais especificamente, a relação do deus Saturno com seus filhos.

Aqui, temos uma falsa federação. Pela letra da lei e da Constituição há uma repartição clara de poder entre União, Estados e Municípios.

Na prática, temos uma União superpoderosa, que recebe quase toda a arrecadação de tributos e possui liberdade para legislar. Os Estados e Municípios ficam com seus tributos próprios, com os quais não conseguem se sustentar, dependem de repasses de partes de tributos da União, devidamente previstos na Constituição, e possuem uma capacidade legislativa muito limitada, na prática.

Um absurdo instrumento de poder foi criado já há quase duas décadas: a Desvinculação das Receitas da União (DRU) veio para desestruturar a instituição dos tributos como os conhecemos, para permitir ao Executivo utilizar valores que deveriam ser empregados em outras áreas, já previstas por lei. É um desvio de dinheiro institucionalizado. Tivemos a oportunidade de falar muito sobre isso no artigo Golpes tributários: A desvinculação das receitas da União e a posição do STF.

Explicando brevemente, se a União quer ter mais arrecadação, a solução institucional para isso é criar novos impostos, nos limites estabelecidos na Constituição.

Acontece que se a União criar novos impostos, terá que repartir a arrecadação com Estados e Municípios. Logo, faz uma fraude nas contribuições (outra espécie tributária) através da DRU para ter acesso a essa arrecadação sem ter que dividir com ninguém.

É claro que a DRU é inconstitucional, mas o STF, que não liga muito para instituições, não quis assim reconhecer.

Essa semana surgiu a notícia de que os municípios foram ao STF pleitear a repartição dos valores da DRU, tendo em vista que a sua instituição faz com que o tributo tenha uma natureza aproximada aos impostos. Há toda lógica no pleito, embora seja uma gambiarra depois de um absurdo. Quase que um "ladrão que rouba ladrão". E o STF dificilmente irá aceitar a pretensão.

Como disse acima, há uma verdadeira mitologia e batalha dos deuses, todos eles poderosos e influentes. Os Estados e Municípios, apequenados diante da União, se juntam para o combate.

A União, tal qual o deus Saturno temendo ser destronado, devora os seus "filhos". A diferença é que a profecia para Saturno se cumpriu e seus filhos o derrotaram.

No nosso caso, infelizmente, creio que a federação jamais será verdadeira no Brasil, pois devorada desde o seu nascimento.

Ainda assim, veremos muitas batalhas dos deuses. E nós, pessoas comuns, devemos torcer para sermos apenas espectadores do evento, antes que nos tornemos, também, vítimas.

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JORNALISTA

Emmanuel Ramos de Castro
Amante da literatura, poesia, arte, música, filosofia, política, mitologia, filologia, astronomia e espiritualidade.

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