A estranha prerrogativa do Estado de roubar o contribuinte

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Recentemente o STF, por meio de liminar concedida pelo presidente da corte, Dias Toffoli, restabeleceu o direito de o Estado do Rio Grande do Norte cobrar "taxa de prevenção e combate a incêndios e de busca e salvamento de imóveis e veículos automotores".

E o que isso significa? Justamente o que consta do título: o Estado está sempre apto a tirar dinheiro do contribuinte ilegalmente.

A espécie de tributo chamada de "Taxa" é assim definida pelo art. 77, do CTN:

Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Simplificando de forma até um pouco grosseira, significa que a taxa é um tributo que serve para remunerar um serviço estatal ou o exercício do poder de polícia ("fiscalização") estatal. Para se cobrar a taxa é necessário que esse serviço ou exercício de poder de polícia seja específico e divisível, ou seja, que se permita verificar de forma individualizada o beneficiário de sua utilidade.

Podemos citar como exemplo disso uma taxa de fiscalização de estabelecimento. Ela é cobrada pelo exercício do poder de polícia e identifica perfeitamente o tomador, que é aquele que necessita da fiscalização para o exercício de certa atividade econômica. Há em muitos municípios um problema no critério da "divisibilidade", mas isso é assunto para outro momento.

Quando não houver quaisquer desses pressupostos (serviço ou poder de polícia específico e divisível) a taxa será inconstitucional.

No final dos anos 90 e início dos anos 2000 os municípios cobraram amplamente a "taxa de iluminação pública", considerada inconstitucional, corretamente, pelo fato de que não se poderia dizer que a iluminação pública seria um serviço, muito menos se poderia identificar quem seria o tomador dessa luz, nem se individualizar o quanto estaria tomando.

Depois houve uma emenda constitucional autorizando essa maluquice tributária através de uma contribuição, outra espécie tributária, mas isso também é assunto para outro momento.

Enfim, voltando à recente decisão do Ministro Dias Toffoli, citada no começo, ele manteve a cobrança da tal "taxa de prevenção e combate a incêndios e de busca e salvamento de imóveis e veículos automotores" estabelecida pelo Estado do Rio Grande do Norte.

Acontece que uma taxa nesses moldes, como se observa à primeira vista, não remunera por um serviço específico, não possui um poder de polícia a ela atrelado, não é de tomada específica e nem mesmo pode ser divisível, pois não se pode prever, de antemão, quem precisará ou não dos bombeiros. Mutatis mutandis, é a mesma situação da iluminação pública que mencionei acima.

Trata-se de uma legislação absolutamente inconstitucional, amadora e contrária à jurisprudência nacional, que já possui décadas. Mesmo assim foi mantida a sua validade pelo presidente do STF. Por quê?

Segundo a decisão de Toffoli, impedir os efeitos dessa lei absurda acarretaria em impedir "a manutenção dos serviços públicos e impacta diretamente na segurança dos indivíduos", pois "a receita arrecadada pelas taxas compõe o Fundo de Reaparelhamento do Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Norte, que visa, entre outros objetivos, fornecer apoio financeiro à execução de serviços e obras de construções de unidades de salvamento e combate a incêndio do Corpo de Bombeiros Militar; e prover recursos para aquisição de material permanente, equipamentos operacionais e outras despesas.".

É claro que o Corpo de Bombeiros precisa de tudo isso, mas não é através de taxa que se pode cobrar para custear esse tipo de atividade.

Em outras palavras: para o Presidente do STF não há problema em o Estado criar um tributo flagrantemente inconstitucional e buscar arrecadação de fonte não permitida. O problema, naturalmente, é o contribuinte tentar resistir a essa cobrança arbitrária e absurda, coisa que acarretaria, no entender dele, em "violação à ordem pública".

Trata-se de uma decisão tão inconstitucional e amadora quanto a norma que instituiu essa cobrança.

O Estado não só se tornou livre para criar cobranças inconstitucionais e abusivas como passou a ser estimulado a isso, pois precisa, segundo o entendimento dessa decisão, de "fontes de arrecadação", não importa que estejam em desacordo com a Constituição e com as limitações ao poder de tributar.

O suposto interesse público subjacente nas questões tributárias, consubstanciado na prevalência do interesse público sobre o interesse privado, está completamente pervertido, permitindo, na prática, a extorsão de todos pelo Estado em nome de um suposto interesse público.

Não se está dizendo que não é necessário o apoio financeiro à instituição dos bombeiros, mas essa remuneração deve vir de forma lícita, em acordo com as leis e Constituição. E, por óbvio, não pode o Judiciário apoiar e privilegiar os maus legisladores e administradores, que não respeitem a lei.

Não se pode mais tutelar a prerrogativa do Estado de roubar o contribuinte. Mas o STF pode tudo.

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Emmanuel Ramos de Castro
Amante da literatura, poesia, arte, música, filosofia, política, mitologia, filologia, astronomia e espiritualidade.

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