A Rainha da Inglaterra e o STF

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Em 1977, quando a Rainha Elizabeth II, do Reino Unido, celebrava seu Jubileu de Prata, os 25 anos de seu reinado, a então novata banda inglesa Sex Pistols lançava seu segundo single, chamado "God Save the Queen".

A música já no segundo verso chama a monarquia britânica de "regime fascista". E segue dizendo que os súditos se tornaram idiotas, que a Rainha não é um ser humano e que não haveria futuro, para a Rainha ou para a monarquia.

E o que aconteceu? Nada.

Para ser mais preciso, a BBC se recusou a tocar a música. Mas, além disso, nada. A música alcançou o segundo lugar nas paradas de sucesso britânicas, foi tocada e ouvida por quem assim quisesse, e não recebeu nenhuma censura, senão aquela natural e legítima, advinda de quem não quisesse compartilhar daquela mensagem.

A Coroa, aliás, manteve a mais completa inércia a respeito da canção, como se ela nunca tivesse existido.

Já no Brasil, nesta semana um advogado foi preso em um voo de carreira em que estava presente o Ministro do STF, Ricardo Lewandowski.

Lewandowski pediu a presença da polícia para conduzir o homem porque esse, dirigindo-se àquele, afirmou: "o STF é uma vergonha".

O ministro ainda "se defendeu" em uma entrevista posterior, dizendo que poderia relevar uma ofensa pessoal, mas não uma ofensa ao STF.

Com toda evidência, Lewandowski deu voz de prisão a um homem que não cometeu crime algum. Dizer que há uma ofensa à "honra" do STF é mais ou menos como o quadrado redondo, pois somente pessoas naturais podem ser vítimas de crimes como injúria, calúnia ou difamação.

Faltando aptidão da suposta vítima para sofrer crime, estamos diante de "crime impossível", por ser inviável a consumação da conduta tida por criminosa.

O crime, ao revés, pode ter apontado contra o próprio Ministro, que obviamente abusou da autoridade, e da autoridade que o obedeceu, por ter obedecido ordem manifestamente ilegal.

Mais ainda, mesmo que a fala do advogado preso fosse dirigida a uma pessoa, talvez não se encontrasse nessa conduta crime algum.

Quem viu o vídeo que contém todo o evento com toda certeza percebeu a arrogância de Lewandowski, ameaçando desde logo com prisão o interlocutor.

A falta de autoridade natural que existe no país (já que falávamos do Sex Pistols, talvez seja uma espécie de "Anarchy in the Brazil?) só faz tornar mais evidente o autoritarismo que lhe pretende substituir.

Mas, como não poderia deixar de ser, a presidência do STF pediu mais investigações sobre o caso, envolvendo, agora a Procuradoria Geral da República.

Diversas organizações de puxa sacos formadas por juízes, advogados e outros atores dos processos já manifestaram apoio a Lewandowski. Mesmo assim, as notas foram em tom de lamento pelo fato. Nenhum teve coragem de dizer que a conduta do ministro foi correta, nem mesmo confirmou ter entendido que ocorreu crime.

Ou seja, as notas acabaram dizendo, nas entrelinhas, que a conduta do ministro foi pior do que a do sujeito que disse que o STF era uma vergonha.

Fato é que parece que houve uma confusão sobre o significado do vocábulo "Supremo", quando se fala em Supremo Tribunal Federal.

Olhando as definições do Michaelis a esse respeito, a primeira parece ser a mais adequada. Supremo é "Que está no ponto mais alto ou elevado, acima de qualquer coisa.". Como é o tribunal mais elevado do país, parece estar de acordo.

O problema é que muitos já estão confundindo com o segundo significado do dicionário para o vocábulo: "Relativo a ou pertencente a Deus; divino.".

O injustiçado advogado, afinal, estava errado. O STF não é uma vergonha. É apenas parte de uma outra vergonha muito maior, alicerçada, em grande parte, pelas diversas instituições ligadas intimamente à administração da justiça no Brasil.

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JORNALISTA

Emmanuel Ramos de Castro
Amante da literatura, poesia, arte, música, filosofia, política, mitologia, filologia, astronomia e espiritualidade.

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