Setor de planos de saúde é massacrado nos tribunais. Qual a solução para o ramo?

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Estudo publicado no início de 2016 dá conta de que consumidores vencem 92,4% dos processos contra planos de saúde. Ou seja: a cada 10 processos, os consumidores vencem pelo menos 09.

Existem inúmeros fatores que podem levar a esse resultado, mas uma quase unanimidade de derrotas não nos sugere que os planos andam trabalhando bem em relação à efetivação dos direitos de seus consumidores.

Em contato com um dirigente de empresa do ramo, já há algum tempo, ele me disse algo que nunca mais esqueci: “quando a empresa fecha um contrato de plano de saúde, está assinando um cheque em branco”.

Ele não deixa de ter razão em certo ponto. Os produtos dos planos divergem em cobertura, mas talvez não se alinhem bem ao entendimento jurisprudencial, que muitas vezes está em desacordo com o estabelecimento de regras pela ANS. Mas, afinal, é a palavra do Judiciário que vale na prática.

Também é de se levar em conta estarmos diante de um contrato de consumo, não um contrato de natureza civil pura. Como sempre menciono, não se fala em “Direito do Consumidor” por acaso. O consumidor é o foco de atenção da lei e está em posição privilegiada. Fosse uma relação igualitária, talvez se chamasse “Direito do Consumo”.

Outro ponto que chama a atenção é a própria natureza do contrato, que tem como objeto a prestação de serviços de saúde. Quando se tem um processo para reclamar do conserto de uma geladeira, ainda que seja algo com razoável gravidade e inspire agilidade, o julgador poderá olhar de forma mais parcimoniosa.

Se, por outro lado, estiver se tratando de uma cirurgia urgente, tema recorrente em processos, o juiz certamente não irá titubear em conceder o direito à realização desse ato. Ora, se não fizer a cirurgia agora, possivelmente a pessoa falecerá e o direito não passará de mera discussão acadêmica.

É uma decisão muito delicada. O argumento econômico não se sobreporá ao argumento da vida do paciente, ainda mais em um país com cultura de sistema de saúde universalizado.

Não devemos nos esquecer de que existem, sim, consumidores oportunistas, como existem pessoas de má intenção em qualquer área. Mas isso não pode ser visto como regra de forma alguma.

Simplesmente não é possível que tenhamos 90% de oportunistas.

Há ainda em muitos casos um entendimento paternalista por parte do Judiciário. Aquele velho método do “a empresa tem bastante, o paciente não tem nada, então vou conceder esse direito”, quase que uma “cortesia com o chapéu alheio”. Obviamente não é correto e obviamente não está de acordo com o direito, mas é assim o sentimento de alguns.

Aliás, a palavra “sentença” tem o mesmo radical da palavra “sentir”. De fato, o jurista, ao ler o processo, terá uma impressão que às vezes nem ele próprio é capaz de expressar naquele momento e tenderá a encontrar, posteriormente, os fundamentos para embasar aquilo que o marcou na apreciação do caso.

Assim, feito o ponto em homenagem àquele dirigente que citou o “cheque em branco”, retornamos também ao início do texto, para dizer que nem toda razão assiste aos planos de saúde.

A despeito do que fora dito em sua defesa, essas empresas batem em teclas que não se justificam, nem perante consumidores, nem perante o Judiciário. Dizer que há obediência aos regulamentos da ANS não é o suficiente, pois estes não são capazes de se sobrepor à lei, estando em “hierarquia inferior”. E, diga-se também, muitos regulamentos são manifestamente ilegais.

Há a necessidade de se ter a consciência de que o tratamento pertence ao médico, sendo que a oferta de opções, aquém do que as indicadas pelo profissional da saúde, provavelmente ensejará processo judicial.

Mesmo a obediência à principal legislação do setor, Lei nº 9.656/98, não será forma suficiente para evitar processos, pois, na relação com o consumidor final, certamente não se sobreporá. No conflito aparente entre essas normas, o Direito do Consumidor tenderá a levar a melhor.

Além disso, a maioria dos processos que pretendem a obrigação de fazer com que os planos de saúde ofertem cobertura incluem pedidos de indenização por danos morais. De cada 10 pedidos, 06 concedem a indenização, em valores muito variados, a depender da gravidade da situação. O estudo apontou uma amplitude de R$ 1.000,00 a R$ 500.000,00.

Assim, não só se obriga o plano a realizar o que supostamente o contrato lhe obrigaria como ele ainda tem perdas com o pagamento de indenizações. É preciso rever o posicionamento de negativa de cobertura, pois a sua eficiência, como se vê, é muito baixa, além de ainda ensejar custos adicionais às empresas do ramo.

Se a ideia é de que de 100 pedidos negados, apenas um ou outro buscará o abrigo judicial, isso precisa ser revisto. Observamos ao longo de nossa atividade profissional uma reversão desse quadro, sendo que os consumidores, com certa razão, não querem dialogar diante de sucessivas recusas e já buscam logo o Poder Judiciário, bastante eficaz na realização destes pleitos.

É importante que se diga que apesar dos pontos levantados, o Judiciário não está de forma alguma “cooptado por consumidores”, por assim dizer. A legislação de consumo concede amplos favores, favores absolutamente lícitos e as decisões não criam nenhuma lógica desconhecida para abrigar as pretensões dos consumidores autores de processos judiciais.

Ainda que conceder certos direitos supostamente inexistentes aos consumidores possa gerar despesas às empresas, isso certamente será um prejuízo muito menor do que aquele decorrente de um processo judicial, em que se contrata advogado, perito, se paga custas judiciais, taxas variadas para, ao final, ainda se pagar condenações por danos morais em mais da metade dos processos.

As empresas do setor, apesar de seus argumentos talvez devessem rever alguns posicionamentos em aspecto pragmático. Mecanismos de compliance orientados a essa área certamente ajudariam a prevenir litígios e perdas com condenações, sendo o mais recomendado inclusive para a padronização de procedimentos.

Também por isso e tendo em vista que essas questões jurídicas recorrentes estão atreladas à atividade final das empresas, faz-se necessário que a alta direção conte com suporte jurídico não só para o respectivo departamento, mas para orientar o direcionamento, a programação, as políticas internas e a esquematização do próprio negócio.

Em tempos de crise, cresce a necessidade de se antecipar a grandes prejuízos.

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Emmanuel Ramos de Castro
Amante da literatura, poesia, arte, música, filosofia, política, mitologia, filologia, astronomia e espiritualidade.

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