A saúde mais ou menos universalizada do Brasil – Parte 2: Impactos para os planos de saúde

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No artigo anterior tratei sobre o fato de a Constituição Federal trazer expressamente a universalização dos serviços de saúde, sendo eles um "direito de todos e dever do Estado", enquanto que, na prática, todos sabem que até mesmo o atendimento mais basilar já é precário.

Mais do que isso, hoje até o Judiciário já nega vigência à Constituição, se pronunciando no sentido de que apenas os carentes fazem jus ao atendimento de saúde estatal, devendo os demais custear tratamentos a partir do seu próprio bolso.

Com isso, percebe-se que, na prática, o Estado está desobrigado a dar o atendimento universal, por mais que assim a Lei Maior estabeleça.

Agora nos cabe analisar o impacto desse raciocínio sobre as atividades dos planos de saúde. E ele é muito expressivo.

O art. 199, da Constituição Federal reza que "A assistência à saúde é livre à iniciativa privada", de modo que qualquer interessado, desde que possua as qualificações legais necessárias, pode prestar serviços de saúde.

Entretanto, os próprios parágrafos desse dispositivo constitucional dão o tom de caráter complementar desse tipo de assistência, complementar, obviamente, ao serviço estatal, considerado padrão, pela Constituição Federal.

Acontece que, na prática, a grande maioria dos melhores estabelecimentos de saúde são privados, ainda que filantrópicos e recebam verba estatal, o que motiva a compra dos serviços de planos de saúde.

Por outro lado, existem hospitais públicos que são referência nacional para tratamento de certas doenças, como o Hospital do Câncer, Hospital do Coração etc., em que o atendimento é dado pelo Estado, através do SUS.

Como se sabe, mesmo pessoas com plano de saúde procuram tais hospitais, recebendo tratamento público, em que pese tenham o seguro privado.

E nem precisamos de questões tão especiais. Mesmo possuindo plano de saúde, algumas vezes, por necessidade ou conveniência, os segurados acabam optando pelo tratamento público e gratuito.

Até aí, não há qualquer problema, tendo em vista que, como já ficou claro, o atendimento de saúde no Brasil, de acordo com a Constituição é direito de todos e dever do Estado.

O que acontece é que já há alguns anos a Seguridade Social, que possui a responsabilidade pelos serviços de assistência social, saúde e previdência, adotou um posicionamento inédito e inusitado: se a pessoa possui plano de saúde e não o utilizou, recebendo tratamento financiado pelo SUS, o custo desse tratamento será cobrado do plano de saúde dessa pessoa!

E o pior de tudo, o Judiciário vem reconhecendo o direito do Estado de cobrar dos planos de saúde os custos desses tratamentos.

Vamos aos fatos:

1) toda pessoa, conforme a Constituição, tem o direito de receber atendimento de saúde estatal;
2) as pessoas têm o direito de, conforme sua vontade, contratar ou não planos de saúde;
3) contratando plano de saúde, não cessa o dever constitucional do Estado de fornecer atendimento de saúde.

Como fica óbvio, nesses casos é escolha do paciente com plano de saúde ser atendido ou não por seu plano, podendo sempre lançar mão do atendimento público, conforme sua vontade.

Se o dever do Estado de fornecer atendimento de saúde não cessa com a possibilidade de atendimento particular, como se conceber que os planos de saúde sejam compelidos a pagar por esse tratamento? É um verdadeiro absurdo!

E mais: se admitirmos como verdadeiro esse raciocínio nefasto adotado pelo Estado, o paciente que optou pelo tratamento público poderá também ser responsabilizado pelo pagamento, tendo culpa por ter eleito o tratamento público ao privado (culpa in eligendo).

Com isso chegaremos à esdrúxula possibilidade de um cidadão não só ter que pagar pelo seu plano de saúde contratado, mas também pelo tratamento de saúde público.

Em verdade, o mercado de planos de saúde é bilionário e em nosso país existe uma espécie de crença de que o patrimônio daquele que movimenta muito dinheiro é menos importante do que o dos outros e "pequenas" perdas não lhe farão falta.

É por isso que temos processos com premissas absurdas como estas como forma de ampliar a arrecadação estatal. Ainda que se diga pela Supremacia do Interesse Público e resguardo do patrimônio público, como se admitir existir qualquer lesão ao Estado em casos desse tipo?

Esse é um exemplo claro do que se chama de "Custo Brasil", sendo mais um motivo para os altos preços praticados em toda sorte de negócios, inclusive planos de saúde.

Mas o Estado não usa somente os planos de saúde como "muletas". Os hospitais públicos, filantrópicos e os profissionais de saúde também são prejudicados pela política estatal de universalização da saúde. Esse é o tema do terceiro e último artigo desta série. 

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Emmanuel Ramos de Castro
Amante da literatura, poesia, arte, música, filosofia, política, mitologia, filologia, astronomia e espiritualidade.

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