Recentemente, publicamos três artigos que causaram alguma comoção no meio jurídico.
Os dois primeiros tratavam sobre o fornecimento de medicamentos sem registro da ANVISA, tratando um deles no âmbito do SUS e o outro no âmbito dos planos de saúde.
O terceiro artigo, certamente o mais polêmico, criticou os problemas da própria gênese do SUS, de como a própria mentalidade universalista que o embasa gera, necessariamente, tratamentos universais e genéricos, afastando naturalmente o atendimento a casos específicos.
Enfim, a questão do fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA chegou ao STF e também gerou bastante discussão entre os julgadores.
De um lado, se colocava a necessidade dos pacientes. Do outro, a observação de que o dinheiro público é finito.
Em meio a tudo isso, outras questões legais conflitantes surgiam. Ao mesmo tempo em que se pretende o fornecimento de medicamentos sem registro, há norma penal que tipifica como crime a comercialização de medicamentos sem registro.
Findos os debates, decidiu-se, por maioria, que não se pode obrigar o Estado a fornecer medicamento experimental ou sem registro na ANVISA, exceto em casos excepcionais.
Explicando assim, parece que nada se resolveu, efetivamente. No entanto, a tese de repercussão geral é muito mais elucidativa. Vamos transcrevê-la:
1) O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais.
2) A ausência de registro na Anvisa impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial.
3) É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:
I – a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil, salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras;
II – a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior;
III – a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.
4) As ações que demandem o fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão ser necessariamente propostas em face da União.
Nos parece que a solução dada pelo STF, diante das circunstâncias, foi extremamente razoável.
Em um dos artigos antes escritos, que citamos acima, dissemos exatamente a questão de que o não registro na ANVISA não significa tratar-se de medicamento sem estudo ou de charlatanismo. Não há razão para supor, a priori, que um medicamento registrado nos EUA e não registrado no Brasil, por exemplo, ofereça risco ao paciente, coisa que justificaria o registro na ANVISA.
Da mesma forma, a decisão estancou outro ponto importante, que é evitar que a demora na análise dos registros na ANVISA prejudique pacientes que necessitam de medicamentos. Isso abrevia até mesmo eventuais argumentos de que a agência poderia atrasar suas análises justamente para limitar a disponibilização dos medicamentos pelo SUS.
Outro tema interessante foi o fato de se afirmar a legitimidade ativa da União para esses casos, fato que deverá aliviar Estados e Municípios, que são sempre mais frágeis para fazer frente a essas demandas e são sempre chamados a respondê-las antes da União.
E, com efeito, faz todo sentido esse posicionamento, já que o tema central de toda a questão é a atuação da ANVISA, órgão de controle federal.
Com muita sinceridade, o STF, nos últimos tempos, poucas vezes mereceu elogios, sempre nos oferecendo decisões ruins, muitas vezes julgando em razão da pessoa, e não do caso em si, e pretendendo legislar.
No entanto, ao menos inicialmente, nos parece que a tese de repercussão geral firmada é razoável e equilibra, dentro do possível, a balança.
Ela, porém, não trouxe definitiva solução, mas o início de novas discussões, pois, como não poderia deixar de ser, entrega para a análise de cada caso concreto a aplicação dos critérios.
Não tenderá, assim, a reduzir substancialmente a judicialização da saúde a esse respeito. Mas trará muito mais segurança jurídica, o que não é pouca coisa no Brasil atual.