Por Bruno Barchi Muniz | Artigo | LBM Advogados
No último artigo falamos sobre como nos parece absurda, sob todos os aspectos a decisão do STF de alterar o regramento e requisitos para tratamentos fora do “Rol da ANS”, muito embora a conduta não nos surpreenda.
Conforme dito ao final daquele artigo, nesse iremos examinar os requisitos colocados pelo STF e refletir sobre os impactos.
Relembrando, ficou decidido que os requisitos para tratamentos fora do rol da ANS são os seguintes, os quais comentaremos abaixo de cada qual:
- O tratamento deve ser prescrito por médico ou odontólogo assistente;
Comentário: É um requisito que nem deveria ser dessa forma tido, já que toda a discussão pressupõe que o tratamento fora prescrito por médico ou dentista, tendo em vista que toda a legislação do tema trata a respeito deles.
- O tratamento não pode ter sido expressamente negado pela ANS nem estar pendente de análise para sua inclusão no rol;
Comentário: Aqui começam os problemas. É claro que o fato de o tratamento ter sido negado pela ANS é uma evidência muito relevante, mas não poderia ser tido como excludente por si só, tendo em vista não só a evolução científica – vale dizer, a maior compreensão de tratamentos, causas, efeitos e associações – mas o fato de ser frequentemente tratamentos e medicamentos inicialmente destinados ao tratamento de uma moléstia serem redirecionados a outras.
Quanto a “estar pendente a análise para sua inclusão no rol”, essa exigência negativa é um convite à demora da ANS, demora esta que é o maior objeto de crítica dos usuários, valendo lembrar que a agência está há muito intimamente ligada às empresas do ramo.
- Não deve haver alternativa terapêutica adequada no rol da ANS;
Comentário: mais um problema óbvio. A medicina é profissão liberal por excelência, sendo que o médico tem direito de realizar o tratamento que considerar mais adequado para o caso analisado, dentro das melhores técnicas disponíveis.
Da mesma forma, a relação médica é de confiança, sendo que o paciente escolhe certo médico justamente por confiar na opinião e aptidão do profissional.
Ou seja, se o médico escolhe aquela terapia é porque ela é a alternativa terapêutica considerada adequada, em detrimento de outras, independentemente de estar ou não no rol da ANS.
Outros profissionais da área podem preferir outros tratamentos e, por isso, sempre haverá opiniões para todos os lados, dentro ou fora do rol. Qual prevalecerá? O juiz não terá condições de analisar qual a melhor alternativa de tratamento e, mesmo que tivesse, isso está obviamente fora da sua própria esfera de direitos.
Esse requisito pode servir para fornecer qualquer tratamento ou para negar qualquer tratamento, gerando grave insegurança jurídica.
- O tratamento deve ter comprovação científica de eficácia e segurança;
Comentário: é claro que isso é extremamente desejável, mas certamente excluirá ótimas terapias novas. Na ânsia de ser “científico”, o STF combate a ciência.
Vale destacar que os requisitos da lei eram muito mais adequados e sensatos nesse aspecto, além de autorizar tratamento fora do rol quando houvesse recomendação de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde de renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.
Poderíamos emprestar, então, conhecimentos e avaliações já realizados por pares da ANS mundo afora, coisa que é questionável se será aceita por aqui.
- O tratamento deve ser registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Comentário: assim como no item anterior, a demora e o fato de o Brasil estar na periferia do desenvolvimento de muitos medicamentos e tratamentos vai prejudicar muitos usuários, inclusive para medicação off label, mesmo que já exista essa condição de uso em outros países.
Vale, porém uma última observação importante: há sérias dúvidas se as instâncias inferiores (e até mesmo o STF, no futuro) irão manter e levar adiante todos os critérios estabelecidos nessa decisão.
Em todos os Estados brasileiros há o franco entendimento já consolidado e amplo sobre tratamentos fora do rol e não acreditamos que os juízes alterarão essa cultura, por ser tema extremamente sensível e de Direito do Consumidor, que obviamente está em enorme desvantagem nesse contrato, pois contrata plano com expectativa para “tudo”, e não para certas coisas limitadas.
E essa expectativa é legítima, não só pelo desejo de “fugir” do SUS, suas deficiências e complicações, mas porque o plano de saúde tem, de fato, uma característica securitária, sendo usado sobretudo para coisas graves.
Aliás, um dos fundamentos do julgamento era de tentar, de alguma forma, igualar as obrigações privadas contratuais com o regramento que o STF também estabeleceu para o SUS para o fornecimento de medicamentos e tratamentos.
Por mais que se tente, no Brasil a busca é sempre por nivelar por baixo.
Como já dito em artigo anterior, quem contrata plano de saúde busca uma solução, e não novos problemas para quando descobre doenças graves ou situações críticas.
Como se vê, o STF, de forma completamente impertinente – e antijurídica, como vimos no artigo anterior – contribui para desfazer as boas normas que temos e ajuda os tratamentos de saúde a darem maiores e firmes passos rumo ao brejo.
Bruno Barchi Muniz – é advogado, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos, Pós-Graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD), membro da Associação dos Advogados de São Paulo. É sócio-fundador do escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados – www.lbmadvogados.com.br