A Judicialização dos Planos de Saúde e o Limite Contratual – Um Olhar Crítico à Obrigatoriedade da Cobertura de Certos Procedimentos

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Aqui, apresento um ponto de vista distinto ao artigo do Dr. Bruno Barchi Muniz publicado neste Blog na última sexta-feira (19)

Por Emmanuel Ramos de Castro | Artigo

A recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), que determinou a obrigatoriedade de um plano de saúde cobrir os custos do congelamento de óvulos de uma paciente com câncer de mama, reabre um debate importante e controverso sobre a judicialização dos serviços privados de saúde. Embora a sentença esteja fundamentada em princípios de proteção à dignidade e ao direito à saúde, é necessário analisar de forma equilibrada as implicações práticas e econômicas dessa determinação. Este artigo busca apresentar uma visão contrária à obrigatoriedade imposta pela Justiça, destacando os limites da relação entre usuários e operadoras, a sustentabilidade econômica dos planos de saúde e alternativas aplicadas em outros sistemas, como o dos Estados Unidos.

Os planos de saúde no Brasil operam com base em contratos previamente firmados entre as operadoras e seus beneficiários, com previsão de cobertura detalhada para uma série de procedimentos e tratamentos. Essa relação contratual tem como base a previsibilidade e a sustentabilidade do serviço, tanto para os usuários quanto para as operadoras. Quando a Justiça interfere nessa relação ao obrigar os planos a cobrir procedimentos que não estão previstos no contrato (como o congelamento de óvulos, no caso analisado), cria-se um desbalanço que pode acarretar efeitos adversos em toda a cadeia de saúde suplementar.

Nesse cenário, é importante questionar: até que ponto um plano de saúde deve ser compelido a incluir tratamentos que extrapolam a previsão contratual? Embora situações como a da paciente relatada sejam emocionalmente comoventes, não se pode perder de vista a importância de respeitar a natureza jurídica desses contratos, sob pena de aumentos generalizados nos custos, que acabam por atingir todos os beneficiários.

A inclusão de coberturas não previstas em contratos, por meio de decisões judiciais, gera um impacto direto na sustentabilidade financeira dos planos de saúde. Operadoras dependem de cálculos atuariais minuciosos para dimensionar os custos de seus serviços e oferecer valores acessíveis de mensalidade. Ao impor a cobertura de procedimentos não contemplados, o custo é redistribuído entre todos os usuários, resultando em reajustes mais altos nas mensalidades.

Além disso, a obrigatoriedade judicial pode criar um precedente perigoso. Procedimentos como o congelamento de óvulos, que não se enquadram originalmente como essenciais ao tratamento oncológico — mas sim como uma forma de preservar a fertilidade futura —, aumentam a margem de judicialização de qualquer necessidade médica que eventualmente se conecte ao tratamento principal. Isso promove uma lógica insustentável de expansão de coberturas por decisão judicial, comprometendo o equilíbrio necessário para a existência de um sistema privado de saúde.

Nos Estados Unidos, país com um dos sistemas de saúde suplementar mais desenvolvidos do mundo, o congelamento de óvulos é parcialmente coberto por planos de saúde em situações de necessidade médica, como o tratamento de câncer. No entanto, a cobertura ocorre de forma clara e delimitada, com base nas escolhas do contratante e nos valores pagos.

Nesse modelo, procedimentos que são considerados futuros, opcionais ou voltados para planejamento pessoal, como a preservação da fertilidade, geralmente exigem pagamento adicional coberto por contratos suplementares. Isso preserva a transparência do sistema: o usuário sabe o que está contratando e a operadora consegue mensurar os custos envolvidos, eliminando a subjetividade e a incerteza causadas pela judicialização.

Além disso, tal abordagem permite uma espécie de “cobertura modular”, em que o consumidor tem a liberdade de escolher quais serviços adicionais deseja incluir e quanto está disposto a pagar por isso. Aplicar essa lógica no Brasil poderia evitar impasses judiciais e garantir que questões como o congelamento de óvulos sejam tratadas de forma antecipada e ajustada às condições financeiras de cada cliente.

A judicialização excessiva dos contratos de saúde gera incertezas para operadoras e prejudica, no longo prazo, os próprios beneficiários. A imposição de coberturas adicionais intermediada por decisões judiciais cria um ambiente de insegurança jurídica, além de tornar os planos de saúde cada vez mais inacessíveis para a população em geral. Embora a decisão do TJ/SP seja compreensível do ponto de vista da justiça social em casos específicos, ela é insustentável enquanto prática generalista para o setor.

Cabe lembrar que o Estado brasileiro já oferece suporte por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) para pacientes em tratamento oncológico. Assim, decisões como essa transferem ao setor privado uma responsabilidade que deveria ser prioritariamente atendida pelo sistema público de saúde. O resultado é um modelo dependente da intromissão judicial, que compromete o equilíbrio do setor privado e contribui para o encarecimento generalizado.

Embora casos como o do congelamento de óvulos para pacientes com câncer sejam humanamente sensíveis, a obrigatoriedade judicial de cobertura de procedimentos não previstos no contrato fragiliza a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar e onera todos os usuários. Para evitar a escalada de custos e a judicialização desenfreada, o sistema brasileiro deve discutir alternativas inspiradas em modelos internacionais, como a cobertura modular e parcial dos Estados Unidos. Soluções como essas, baseadas na previsibilidade e no respeito aos contratos, permitem equilíbrio entre as necessidades individuais dos pacientes e a proteção financeira de todos os envolvidos.

Emmanuel Ramos de Castroé jornalista, fundador e editor do Blog do Corretor. Em 2010, idealizou o Programa Segura Brasil, transmitido pela TV a cabo (canal 09) em São Paulo e do podcast PodSim (2020). Defensor contumaz do Sistema Único de Saúde (SUS) – uma das maiores conquistas da Constituição Cidadã de 1988 –, também apoia uma saúde suplementar regulamentada, que equilibra a ampliação e limitação de seus serviços com base em riscos e custos.

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