A Era Pós Lula
Até pouco tempo atrás, era impensável ver famílias da classe D contratando um plano de saúde ou uma empregada doméstica. Mas hoje isso já acontece. Elis de Oliveira, 36 anos, por exemplo, paga R$ 150 por mês para uma vizinha ajudá-la a cuidar de sua filha de dois anos. Ela trabalha seis vezes por semana limpando escritórios, ganha um salário mínimo e arca sozinha com gastos com a babá, já que é mãe solteira. A sorte, diz ela, é que não paga aluguel, porque mora na casa de sua mãe.
A população de baixa renda está gastando mais com itens antes acessíveis apenas às classes mais altas, revelam os dados da pesquisa do Cetelem BGN, braço do banco francês BNP Paribas. Por exemplo, em novembro de 2011, as famílias das classes D e E destinaram em média R$ 49 à assinatura de TV a cabo ante R$ 68 da classe C, R$ 300 para empregada doméstica ante R$ 114 da classe C, R$ 152 para combustível ante R$ 102, R$ 157 para educação ante R$ 171 e R$ 101 para convênio médico ante R$ 76.
O incremento da procura por esses serviços por parte de brasileiros da base da pirâmide está ligado ao aumento da renda da população e ao nível de empregabilidade no país, diz Luciana Aguiar, antropóloga e sócia-diretora da Plano CDE, consultoria que estuda a população de baixa renda. “A classe D com emprego formal deve estar pagando o seguro-médico junto com o patrão. Além disso, é comum também as famílias contratarem um plano quando um parente enfrenta problemas de saúde”, diz a executiva.
Ela conta a experiência que teve ao visitar uma família da classe D em Recife (PE). Na casa, moram quatro pessoas: pai, mãe e dois filhos, um deles com asma. “Eles contrataram um plano para o filho asmático. O outro, quando ficava doente, ia ao sistema público de saúde ou a clínicas de periferia, que cobram R$ 40 pela consulta, por exemplo”, relata. “Se o crescimento [da contratação de planos de saúde por famílias da classe D] está acontecendo, merece certo destaque. Esse público tem dificuldades de pagar as contas com certa recorrência”.
De fato, essa expansão está acontecendo. Segundo uma pesquisa do instituto Data Popular feita à pedido do Valor, estima-se que 4,4 milhões de pessoas da classe D possuam plano de assistência médica. O número corresponde a 9,3% dos brasileiros dessa camada social que vivem em áreas urbanas. As mulheres são a maioria, com 57,2%.
“O acesso aos empregos formais possibilitou à Classe D, através de planos empresariais, a contratação de seu primeiro plano de saúde, que na maioria das vezes, é direcionado aos filhos. Conhecendo as vantagens desse benefício, esse brasileiro faz propaganda para o vizinho, que hoje em dia já busca por planos populares com preços que caibam no seu bolso. Para ele, fugir da fila do SUS é um grande alívio”, explica Renato Meirelles, sócio-diretor do Data Popular.
Jorge Pinheiro, presidente da Hapvida, afirma que o mercado de seguros-saúde para classes populares está crescendo a passos largos: só no ano passado, a empresa ampliou a carteira de clientes em 21%. A operadora cearense, focada nas classes C e D e que possui forte presença nas regiões Norte e Nordeste, registrou um aumento de 15 mil para 85 mil clientes individuais somente na Bahia, entre 2010 e 2011.
O Grupo Bradesco Seguros também está investindo em produtos para a classe D. Por exemplo, o Primeira Proteção Bradesco, um seguro de vida por morte acidental com parcela mensal de R$ 3,50 lançado em janeiro de 2010, atingiu cerca de 1,5 milhão de apólices vendidas em março, dentre as quais 65% correspondem a indivíduos da classe C e 35% da classe D, explica Eugenio Velasques, diretor-executivo do Grupo Bradesco Seguros e presidente da Comissão de Microsseguros e Seguros Populares da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais (CNSeg).
Para desenvolver os produtos para a baixa renda, pesquisadores do Grupo Bradesco moraram em casas de famílias das favelas de Heliópolis, em São Paulo, e da Rocinha, no Rio de Janeiro, durante seis meses. Eles concluíram que o principal temor dos moradores desses locais era não ter dinheiro para pagar as contas (56%). Em segundo lugar, com 30%, ficou o medo de acidente que levasse à morte.
Velasques acredita que as famílias da classe D têm potencial para serem grandes consumidoras de microsseguros. “Estudos mostram que há uma forte correlação entre o crescimento do crédito e o consumo de seguros”, avalia. “Para a classe D, é muito importante proteger qualquer patrimônio e melhora de vida conquistados. Quanto maior tiver sido o esforço para conquistar, maior será a vontade de preservar”, diz.
A classe D também apela cada vez mais ao crédito. Um indício disso é que do total de unidades já entregues pelo Programa Minha Casa Minha Vida, 49,9% foi destinada a famílias com renda de até R$ 1 mil, segundo a Caixa Econômica Federal.
Anibal Fernandes, diretor-executivo da Rede Banorte, banco com forte atuação no Nordeste, relata que os empréstimos consignados para essa camada têm dobrado ano a ano na rede. No ano passado, 80% do volume emprestado foi direcionado a famílias com renda mensal inferior a R$ 1 mil. “Na maioria dos casos, trata-se do primeiro empréstimo”, diz. “Além disso, 50% desses tomadores adquiriram no banco seu primeiro cartão de crédito.”
Maria José da Conceição, 48 anos, moradora de Recife (PE), está entre esses tomadores de primeira viagem. “Tomei um empréstimo consignado no valor de R$ 2,5 mil para reformar minha casa. Estou muito feliz. As parcelas são de cerca de R$ 150 e consigo pagar com o que recebo das faxinas que faço de segunda a sexta. Aos sábados e domingos, lavo carros”, conta.
Por Letícia Casado e Karin Sato