Adultização e descumprimento de ordens judiciais: o reforço da responsabilidade coletiva na proteção infanto-juvenil
Por Jayme do Espírito Santo Pinheiro Neto | LBM Advogados | Artigo
Recentemente, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a multa prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) pelo descumprimento de ordens judiciais ou do conselho tutelar não se limita aos pais ou responsáveis legais. A sanção, conforme a interpretação atual, pode ser aplicada a qualquer pessoa ou entidade que falhe em proteger crianças e adolescentes, ampliando seu alcance para autoridades, empresas e outras organizações.
Esse entendimento foi afirmado em um caso envolvendo uma empresa organizadora de eventos em Minas Gerais. Durante uma exposição agropecuária em São João Batista da Glória, a empresa permitiu a venda de bebidas alcoólicas para menores de idade, descumprindo uma decisão judicial que já havia negado a presença de menores desacompanhados. Agentes do Comissariado da Infância e Juventude flagraram o consumo de álcool pelos jovens, o que resultou na imposição de multa à empresa.
Em sua defesa, a organizadora do evento alegou que as disposições do artigo 249 do ECA se aplicariam apenas a pais, tutores ou guardiães, e que, portanto, a sanção não poderia ser imposta a ela. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG), no entanto, confirmou a penalidade, apontando que o ECA permite punir qualquer pessoa que desrespeite ordens de proteção impostas pela Justiça ou pelo conselho tutelar.
O caso foi levado ao STJ, onde o relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, ofereceu uma interpretação mais ampla do artigo 249. Ele destacou que, embora a primeira parte do artigo pareça direcionada aos pais e responsáveis, a segunda parte do texto, que se refere ao descumprimento de ordens de autoridades, não faz essa limitação. Para o ministro, limitar a aplicação da norma apenas à família e aos guardiães criaria uma lacuna perigosa na proteção dos direitos infanto-juvenis.
De acordo com o relator, essa interpretação restritiva poderia comprometer a eficácia das medidas protetivas ao deixar de fora outros agentes essenciais, como instituições educacionais, autoridades administrativas e empresas. A proteção integral das crianças e adolescentes, objetivo central do ECA, exige que todos aqueles que tenham a capacidade de influenciar o cumprimento de ordens judiciais estejam sujeitos a sanções quando negligenciam essa responsabilidade.
Assim, o STJ concluiu que a penalidade prevista no artigo 249 do ECA deve ser aplicada de maneira abrangente, alcançando qualquer pessoa ou entidade que desrespeite determinações do Judiciário ou do conselho tutelar, reforçando a proteção dos direitos das crianças e adolescentes além do âmbito familiar. Com isso, o recurso especial da empresa foi negado, solidificando a interpretação de que a responsabilidade pela proteção dos menores é um dever coletivo.
Essa decisão é um importante precedente para futuras situações em que se discuta a extensão da responsabilidade de proteção a menores e reforça o papel do ECA em assegurar que essa proteção se estenda a toda a sociedade, e não apenas aos familiares mais próximos.
Jayme do Espírito Santo Pinheiro Neto – é advogado, graduado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Pós-Graduado em Investigação Criminal e Legislação Penal pela Faculdade Unyleya, membro da Comissão de Compliance da OAB/SP, com cursos de extensão nas áreas de LGPD, Compliance, como o Curso de Compliance Anticorrupção pela LEC – Legal, Ethics & Compliance, além de possuir o Curso de Alinhamento Conceitual do Programa Nacional de Capacitação e Treinamento no Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro pela Academia Nacional de Polícia. É advogado do escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados – www.lbmadvogados.com.br