Tragédias brasileiras e a consternação equivocada

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2019 começou cheio de desastres no Brasil. De fato, o mês de janeiro é pródigo em tragédias nacionais, principalmente com enchentes e deslizamentos de terra, que atingem a cada ano um local diferente.

2019, porém, foi além. Houve uma repetição agravada do desastre de Mariana, agora em Brumadinho, em um desastre anunciado – e até mesmo estudado pela empresa, que previu todo tipo de danos, conforme nos explicaram as mais recentes notícias. Mais de 200 pessoas morreram

Pouco tempo depois houve o incêndio no alojamento dos garotos do Flamengo, tirando, de forma particularmente terrível, a vida de 10 adolescentes.

A última comoção nacional foi a morte de Ricardo Boechat, jornalista querido por muitos, em queda de helicóptero sobre um caminhão.

Não vou entrar no mérito das responsabilidades de cada um, mas apenas observar a reação das pessoas diante dos desastres.

Sobre Brumadinho, não houve, de fato, nada anormal. Todos ficaram consternados com o drama pessoal daqueles indivíduos, que, quando não perderam até a própria vida, perderam quase todo o resto.

Já no caso do Flamengo, ao invés de as condolências se dirigirem às famílias dos jovens mortos, foram para o clube, que os hospedou onde deveria estar um estacionamento, de acordo com o projeto de engenharia entregue à prefeitura.

Pessoas honestamente sensibilizadas diziam bovinamente "Força, Flamengo!". Mas e as verdadeiras vítimas? Mais uma vez, "Força, Flamengo!", "o clube vai se recuperar dessa tragédia!". Sim, mas e os mortos?

No caso da morte de Ricardo Boechat tivemos, diante de nossos olhos, uma demonstração quase indescritível. Enquanto uma moça tentava de forma desesperada ajudar o motorista a sair do caminhão, pelo menos dois homens se preocupavam apenas em registrar as cenas do desastre, parados, sem ajudar uma pessoa em perigo que estava literalmente na sua frente.

A preocupação maior deles era com a história que teriam a contar, com as provas de que estavam ali no local da tragédia.

O brasileiro hoje está tão desorientado moralmente que possui deturpada até mesmo a sua empatia, dirigindo-a ao potencial causador do crime e, bem, bem menos, à verdadeira vítima.

No outro caso, o desejo de se mostrar publicamente como presente no momento de uma tragédia nacional – os famosos "quinze minutos de fama" – se sobrepõem ao instinto de ajudar alguém em uma situação das mais perigosas.

Há de se dizer que cada um reage de um jeito diante do perigo. Alguns tiram sabe-se lá de onde uma coragem sobre-humana; outros, a quem não se pode culpar, instintivamente "congelam", não conseguem se mover.

Mas não era esse o caso. Os "repórteres por um dia" daquela tarde tiveram uma reação ainda mais calculada do que a da moça que correu para acudir o caminhoneiro. Sacaram seus celulares e buscaram fazer a filmagem mais extraordinária que conseguissem.

Conseguiram antever os méritos de uma notícia dada em primeira mão, mas se mantiveram tão psicologicamente distantes que não conseguiram ver que ali existia um drama humano real, uma dor, um perigo.

A realidade foi substituída por uma ficção construída em cima da tecnologia e da aparência, pela exposição da vida, senão de uma falsa vida.

Disso já sabíamos, mas jamais imaginaria que essa substituição da vida real pela vida projetada poderia ser tão terrível para a consciência individual das pessoas, suprimindo o discernimento até que as pessoas sintam consternação por um clube de futebol (quiçá responsável pelo que aconteceu), e não pelos jovens incinerados. Ou não sentir mais consternação alguma.

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Emmanuel Ramos de Castro
Amante da literatura, poesia, arte, música, filosofia, política, mitologia, filologia, astronomia e espiritualidade.

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