Era apenas uma criança, entre tantas outras, com um pé na favela e outro na rua.
O barraco imundo onde vivia com o pai alcoólatra e outros irmãos igualmente pequenos fora construído à margem de um córrego mal cheiroso e infestado de ratos.
O que poderia ser pior para aquela criança? Permanecer naquele barraco ou se aventurar num cruzamento qualquer de trânsito e aproveitar o sinal fechado para pedir esmolas?
Aquele pobre menino chama atenção, especialmente, pela sua condição física: falta-lhe um olho.
Além da miséria absoluta que o destino lhe conferiu, falta-lhe um olho; assim como falta-lhe a mãe que cedo morrera.
Há informações de que a perda do seu globo ocular esquerdo fora provocada por uma batida policial na favela. Contudo, nem assim aquele menino transmitia agressividade. Era triste. Tinha uma expressão de total subserviência.
O tempo passara. A favela dali fora removida para dar lugar a uma larga avenida. E aquela criança, onde estaria? O tempo deu a resposta. Numa noite fria à porta de um prédio numa avenida barulhenta e mal iluminada, um volume indefinido chama atenção dos transeuntes.
Entre molambos fedorentos e caixas de papelões, dorme um menino cuja miséria não o deixara com corpo de homem.
Ainda é um menino e provavelmente de menino não passará.
Um menino sem mãe, sem pai, sem casa, sem escola, sem amigos, sem café da manhã, sem almoço, sem jantar, sem roupa lavada, sem escova de dente, sem identidade, sem perspectivas, sem um olho… Um menino bicho, hoje.
-Meu Deus, “um bicho homem” amanhã?
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NOTA DO BLOG
O garoto nunca mais foi visto nas imediações da favela do Aeroporto de Congonhas. A Avenida, citada no texto é Av. Água Espraiada, atual Roberto Marinho.
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Brasil – país rico é país sem pobreza