Temos hoje no Brasil um cenário, mais do que antagônico, de verdadeira guerra no âmbito do direito do consumidor. As empresas reclamam da “indústria do dano moral”, mantida por pessoas que movem processos pelas questões mais esdrúxulas, banalizando o conceito de “dano moral”.
De outro lado, temos pessoas que sofrem com problemas reais causados por empresas, mas, mesmo as processando, não são indenizadas em montante suficiente para desfazer o mal que lhes foi causado, enquanto que as empresas não se importam em pagar tais indenizações, pois é um “mal necessário”, um verdadeiro investimento, pois mais barato compensar essas pessoas lesadas do que prestar um atendimento adequado e digno.
Casos como o recente rompimento da barragem em Minas Gerais e a destruição de cidades e populações inteiras escancaram o desinteresse de algumas empresas pela sociedade que as cerca. Neste caso específico, as ofertas de assentar as famílias no prazo de 04 meses soam até mesmo vil, diante das circunstâncias.
No caso da saúde, por ser um direito muito sensível e por gerar contratos e situações naturalmente complexas e urgentes, existe um cuidado ainda mais especial por parte da Justiça em relação ao consumidor, embora isso não signifique que ele “ganhará todas”.
De fato, o Judiciário carece de racionalidade, às vezes, em certas decisões. Muitas vezes, o plano de saúde, ao oferecer um contrato ao consumidor, está oferecendo um “cheque em branco”, pois as cláusulas muitas vezes são relativizadas em prejuízo daquele que não teria a obrigação de fornecer o que não foi contratado.
Isso deve ser incluído e considerado o tempo todo como um risco inerente ao negócio, mas não no aspecto mencionado acima, do “estamos errados, poucos irão reclamar, então lucraremos”, mas no sentido de que a balança penderá em favor do consumidor, por ser o polo naturalmente mais fraco e considerado “hipossuficiente”.
A questão da hipossuficiência não é pacífica em nossos tribunais, no sentido de que não se sabe se essa hipossuficiência é apenas técnica, significando que o consumidor não tem conhecimento técnico do produto ou do serviço; ou se é técnica e econômica, significando, além do já dito, que as empresas do ramo possuem uma capacidade econômica muito maior do que a esmagadora maioria de seus consumidores.
Entendemos que a hipossuficiência deve ser apenas e tão somente técnica, pois o fato de uma empresa ser “rica ou pobre” não pode influir na sua responsabilidade civil, que deve ser da exata medida do dano que eventualmente causou.
Retornando ao exemplo do caso do rompimento da barragem de Minas Gerais, caso estivéssemos diante de uma empresa de pequeno porte, causando o mesmo dano, cogitaríamos que ela deveria receber indenizar menos apenas por ser empresa pequena?
O direito ambiental também é muito sensível e um de seus princípios reitores orienta que deve ocorrer sempre a reparação integral do dano ambiental causado. Isso se traduz em uma característica técnica, objetiva, totalmente distante do potencial ou capacidade econômica do causador.
O direito do consumidor deveria vir pelo mesmo sentido, para medir a extensão do dano. Certa empresa de sucesso não deve ser penalizada mais do que outra apenas pela sua expressão no cenário econômico, ou então, como alguns juízes pensam, que “esse dinheiro não lhe fará falta, enquanto que, para quem recebe, até será uma boa quantia.”
É por raciocínios assim que temos a guerra mencionada no primeiro parágrafo. Não se penaliza o suficiente quem precisa ser penalizado e se dá ganho de causa a quem nem merecia ganhar, pois ” a empresa tem dinheiro”…
Criou-se no Brasil uma mentalidade de que o rico é responsável pelo pobre, sendo que alguns advogam que aqueles devem a esses “até a alma”.
De fato, o direito trata com questões econômicas o tempo todo, o resultado que se quer ver de um processo na esmagadora maioria dos casos é econômica. Mas isso não deve ser palco de uma guerra sem sentido, cujo argumento é “sou hipossuficiente”, no sentido de ser pobre, enquanto que meu rival é rico. Isso não é questão jurídica.
E o que dizemos não significa que as pessoas pobres estão tentando se aproveitar das empresas ou das pessoas ricas. Essa questão de riqueza ou pobreza é, aliás, muito tênue e relativa.
O que é urgente é que a justiça volte a ser cega, analisando mais os fatos, olhando menos para as pessoas.
Isso também não significa dizer que a Justiça deve abandonar os doentes e desamparados que batam às suas portas. Mas que deve se analisar o direito e a justiça real dos casos, se possível, sem olhar para características pessoais das partes quando não têm qualquer relação com o processo.