Por Marco Pontes e Gustavo Quintão
Em um momento de envelhecimento populacional e discussão sobre os impactos da previdência social no ajuste fiscal, os sistemas de aposentadoria complementar tornam-se um importante mecanismo de proteção social que garante complementação da renda num período de incertezas sobre as regras futuras do INSS.
Em geral, os sistemas de aposentadoria se fundamentam em modelos de longuíssimos prazos e levam em consideração projeções econômicas e demográficas. Para que tais sistemas sejam mantidos em equilíbrio, é recomendável que se promovam ajustes periódicos e paulatinos, sobretudo nos anos em que a economia do país atravessa períodos de bonança. Caso contrário, os desequilíbrios gerados pelo aumento dos gastos se tornam frequentes.
Não à toa, acompanhamos, ao longo das últimas décadas, diversos países promoverem mudanças em seus sistemas de aposentadoria. A questão da previdência tem sido – e continuará sendo – um tema prioritário nas agendas dos governantes em todo o mundo. Não se trata, pois, de uma questão circunscrita ao Brasil. Nesse contexto, são diversos os fatores que contribuem para que os referidos desequilíbrios se apresentem. Nos regimes que seguem o modelo de repartição simples – o denominado “pacto de gerações” –, tais fatores estão vinculados à questão atuarial, isto é, à queda do índice de fecundidade, ao envelhecimento da população e ao alongamento da expectativa de vida. Salvo raríssimas exceções, esses regimes não são mais sustentáveis.
Prova concreta disso é a própria experiência brasileira. Por possuir um sistema muito complexo, o Brasil se encontra em uma situação na qual não parece ser possível alimentar perspectivas otimistas.
Nos últimos anos, o déficit da previdência teve pesada parcela de responsabilidade no aumento do déficit público, situação que se perpetuará se nada for feito nos próximos anos. Os indicadores macroeconômicos denunciam a gravidade dos fatos. Não são poucos os argumentos e os dados estatísticos que corroboram a necessidade de se promover uma reforma estrutural do sistema brasileiro.
Ao longo das últimas três décadas, os especialistas na matéria vêm tentando, sem sucesso, alertar os governantes de que é preciso empreender mudanças urgentes. No entanto, avançou-se pouco nesse sentido.
Além dos fatores de desequilíbrio já comentados, no caso brasileiro, há variáveis adicionais que acabam por tornar o panorama ainda mais complicado, tais como: (i) a concessão de vantagens para determinadas categorias profissionais; (ii) o critério de elegibilidade aos benefícios; (iii) a indexação da aposentadoria ao salário mínimo; (iv) a extensão do benefício de aposentadoria para pessoas que nunca contribuíram para o sistema; (v) a equivalência do benefício de aposentadoria ao salário da ativa de uma determinada parcela da população; e (vi) o fato de o tempo de serviço ter prevalecido por longos anos como condição primária para a aposentadoria, o que possibilitou o ingresso precoce de muitos participantes à condição de aposentado.
Como se não bastasse os elementos acima destacados, o aumento da economia informal, o desemprego e a dificuldade de entrada no mercado de trabalho também serviram para agravar ainda mais a situação nos últimos anos. Tais distorções expõe, de maneira inegável, a precariedade da arquitetura dos sistemas de previdência que coexistem no Brasil. Vale ressaltar que o sistema brasileiro, além de complexo, também é injusto, vez que parece dividir o país em castas. De um lado, tem-se o Regime Geral da Previdência Social – “RGPS” –, representado pelos trabalhadores da iniciativa privada que contribuem para o INSS; de outro, os Regimes Próprios da Previdência Social – “RPPS” –, que cobrem o setor público e os militares.
Os números não mentem. Enquanto na previdência dos servidores públicos e militares há pouco mais de 3,5 milhões de aposentados, na previdência do setor privado (funcionários de empresas, domésticos e autônomos) são 26,1 milhões de brasileiros (sendo 18,6 milhões de aposentados e 7,5 milhões que recebem outros benefícios como pensões por morte ou auxílio-doença). Mas o rombo do setor público é quase igual ao rombo do privado porque há pouca contribuição e o valor dos benefícios é alto. Ou seja, quem mais contribui para o sistema são os trabalhadores de empresas privadas e as empresas do setor privado (alíquota de 20% sobre os salários). E são os trabalhadores de empresa privada que têm aposentadorias de menor valor, quase sete vezes menores do que os servidores públicos.
Não é preciso ser um especialista para diagnosticar que há algo de errado. Tal distorção tem se perpetuado ao longo dos anos. É perfeitamente compreensível a dificuldade que pessoas leigas normalmente possuem para entender a importância que o equilíbrio atuarial tem para a manutenção da sustentabilidade de determinado sistema de previdência.
Nessa toada, há que se fazer uma distinção entre benefício assistencial e benefício previdenciário. No rol de benefícios assistenciais, enquadram-se os pagamentos do auxílio-doença, do auxílio-maternidade, do auxílio-reclusão, entre outros. Em tese, eles devem cobrir o indivíduo antes que seja possível gozar das garantias inerentes ao direito à aposentadoria. Já o benefício previdenciário está relacionado ao pagamento de valores periódicos, tais como a renda de aposentadoria e a renda por idade.
Como podemos observar, tratam-se de situações distintas. Enquanto, no primeiro caso, estão inseridos os benefícios de curto prazo e – ressalva feita à invalidez – anteriores à concessão da aposentadoria, os demais são rendas programáveis, que devem levar em conta os aspectos atuariais no que tange ao financiamento. Quanto aos benefícios assistenciais, é compreensível – e justificável – que o financiamento ocorra com base em um modelo de mutualismo, diferentemente do que deve ocorrer no caso dos benefícios previdenciários, para os quais é necessário que exista uma relação direta entre o que foi pago e o que será recebido, no futuro, a título de renda.
Entretanto, no Brasil, por questão ideológica, uma parcela significativa dos opositores à reforma estrutural da previdência despreza a lógica atuarial e contributiva dos benefícios previdenciários, sob a alegação de que tanto os benefícios assistenciais de curto prazo quanto os benefícios previdenciários de longo prazo devem ser financiados segundo um modelo de redistribuição de renda. Nas últimas décadas, nossos governantes ignoraram aspectos técnicos incontestáveis, subestimando a gravidade da situação.
Alguns foram mais longe ao se acomodarem com o superávit de caixa observados em anos de bonança da economia, embora o déficit atuarial já fosse uma realidade. O superávit financeiro temporário, que foi possível obter no passado, deveu-se à custa do sacrifícios da maior parte dos trabalhadores da iniciativa privada, isto é, por meio do aumento das contribuições; da redução do teto do benefício da previdência social; e da adoção de medidas paliativas, como a introdução do fator previdenciário e de outros fatores exógenos, que, a rigor, nada têm a ver com a questão previdenciária, visto que o déficit atuarial, como já afirmado neste artigo, é uma realidade há décadas.
Os governos FHC e Lula ensaiaram promover a reforma em períodos mais propícios, quando dispunham de apoio popular e político para fazê-lo, mas foram ineficientes em convencer a sociedade de que se fazia necessário dar esse passo. As principais causas que levaram ao fracasso de ambos foram a falta de vontade política, a impopularidade do tema, o forte corporativismo de alguns setores da sociedade, e a questão do direito adquirido – versus expectativa de direito –, que perpetua o abismo entre os participantes do RGPS e os do RPPS.
É preciso defender um sistema que não aprofunde as diferenças existentes entre os trabalhadores da iniciativa privada e os da iniciativa pública, como acontece na atualidade. O sistema que devemos perseguir não pode conceder diferenças tão acentuadas entre os servidores públicos e dos trabalhadores do setor privado.
Fato é que a sociedade deve estar atenta para observar com atenção às mudanças que serão propostas em dezembro de 2017, pois elas afetarão todos os trabalhadores. Sob essa perspectiva, os gestores de recursos humanos das empresas do setor privado devem estar preparados para promover estudos e ajustar os modelos dos programas de aposentadoria que mantém em favor de seus colaboradores por força não apenas da reforma do sistema de previdência, como também, da reforma trabalhista que entrou em vigor no dia 11 de novembro de 2017.
*Marco Pontes é consultor da MDS Brasil
*Gustavo Quintão é diretor e benefícios corporativos da MDS Brasil