No jargão jurídico, "reforma" é sinônimo simplesmente de "alteração". Quando se fala em "reforma tributária", porém, a expressão "reforma" merece se aproximar do que pensamos quando reformamos um imóvel, por exemplo. É necessário por para baixo boa parte da construção e refazer do zero.
Nesta semana as casas legislativas começaram a divulgar na imprensa que iniciarão a discussão da reforma tributária. Nos parece, porém, que a discussão menos parece uma "reforma" e mais parece uma "demolição" tributária.
O primeiro problema é saber qual será o projeto de reforma tributária a ser votado. Há pelo menos dois projetos paralelos tramitando simultaneamente e independentemente na Câmara e no Senado. Por incrível que pareça, enquanto eu escrevia este texto, na manhã do dia 15/08, mais um projeto foi apresentado.
Estariam tantas pessoas subitamente e ao mesmo tempo interessadas agora em resolver o terrível problema tributário brasileiro, que se arrasta há muitas décadas, tendo se acentuado muito nos últimos 20 anos?
Nos parece que não. Esse primeiro problema tem um nome: "protagonismo".
Toda vez que se vê algum deputado ou senador falando sobre reformas de qualquer tipo, inevitavelmente vem à conversa a fala sobre o tal "protagonismo".
O Presidente da Câmara falou abertamente sobre isso durante a tramitação da reforma da previdência.
Quarta-feira, dia 14/08, o Senador Roberto Rocha, relator de uma reforma tributária bradou contra a Câmara e a questão do protagonismo, dizendo, na Comissão de Constituição e Justiça: “O Senado é casa da federação e esse acordo para poder prevalecer o protagonismo no Senado na reforma tributária é para inglês ver”. E acrescentou: “A Câmara está tocando o projeto da reforma tributária e o Senado está apenas assistindo”.
Ou seja, a Câmara quer ser protagonista, o Senado quer ser protagonista e ambos querem tentar tirar algum pretenso protagonismo do Executivo.
Trata-se primeiro, portanto, de uma discussão de vaidades políticas. No tempo que sobrar, se sobrar, discute-se a qualidade da reforma tributária.
O segundo problema deriva diretamente do primeiro: todas as propostas apresentadas até aqui são ruins e, por mais inacreditável que pareça, podem até mesmo piorar o insano sistema tributário vigente no país.
Como o foco não está voltado para melhorar o sistema tributário ou favorecer a vida e o bolso do contribuinte, mas em ganhar "protagonismo político", teme-se, com razão, que seja aprovada alguma proposta maluca qualquer, só para que alguns possam dizer em suas próximas campanhas eleitorais: "eu fiz a reforma tributária!".
A proposta de reforma tributária que está ganhando maior destaque – leia-se: "protagonismo" – vem da Câmara dos Deputados, prevendo a extinção de 5 tributos (IPI, PIS e COFINS, que são federais; ICMS, que é estadual e ISS, municipal). Esses todos seriam substituídos pelo "IBS – Imposto sobre Bens e Serviços", com arrecadação distribuída entre esses entes, além de outro imposto de arrecadação apenas federal.
Fora a criação de um federalismo mais maluco do que o atual, prevê um período de transição de 10 – sim, dez – anos para a implementação de medidas tão burocráticas e complexas como as atuais, com o acréscimo de que possivelmente serão "acordadas" entre União, todos os estados e todos os mais de 5.000 municípios.
Há quem prefira a gestão feita apenas pela União, mas os Estados já reagiram a isso, pretendendo, ao que parece, realizar a gestão tributária do IBS.
Além disso, os Estados encaminharam também a proposta de um "IVA – Imposto sobre Valor Agregado" a eles destinado, em alinhamento com aquele imposto exclusivamente federal que citei acima.
Em outras palavras, sai uma leva de tributos, entra outra no lugar, com moldes semelhantes.
Em conversa com um colega da área, ele não vê um cenário tão ruim, mas que pode haver algum tipo de não-cumulatividade para os tributos (quem está adiante na cadeia produtiva abate do valor a pagar o valor já pago pelos que estavam atrás na cadeia) ou então a possibilidade de se abater do valor a pagar em tributos o valor dos insumos (materiais e custos da produção).
Isso é o que já se tem hoje em diversos tributos, como ICMS, PIS, COFINS, IPI, por exemplo. E cada tributo que permite abater insumos tem um conceito próprio do que são os insumos, dizendo-se "insumo para fins de IPI", "insumo para fins de PIS/COFINS". O critério não é o mesmo para todos.
Nessa hipótese, seria mantida a dificuldade contábil e a larga despesa com contadores, a serem suportadas por empresários, sem que isso signifique um retorno para o negócio. E sem que isso nem mesmo se traduza em segurança quanto ao que se está pagando.
O PIS e a COFINS, para ilustrar, os conhecemos no formato hoje estabelecido (com alterações pontuais, evidentemente) desde 1998, ou seja, há 21 anos.
E até hoje se discute nas instâncias administrativas da Receita Federal do Brasil e no Judiciário questões relativas a esses tributos, por dúvidas e insegurança jurídica sobre essas verbas.
Essa insegurança jurídica é o fato de o empresário não saber sobre o que pagar, quanto pagar, o que pode abater no pagamento de tributos e o que não pode abater.
Arrisco dizer que 90% dos problemas tributários do Brasil existem por causa de insegurança jurídica. E os dez anos de transição da proposta do IBS são pelo menos vinte e cinco anos de discussão nos tribunais. Será uma nova leva de brigas, como as que se iniciaram nos anos 90 e estão (talvez?) acabando agora.
Como visto, as propostas criam novos problemas que começam do zero para questões que aparentemente já estavam pacificadas no país. Criam um conflito gigantesco entre União, Estados e Municípios, podendo aprofundar ainda mais os problemas do falso federalismo brasileiro.
E, o que talvez seja a pior parte de diversas propostas, é o fato de criarem tributação sobre lucros, afastando, talvez, os investimentos externos muito necessários ao país.
Alguns críticos poderão levantar objeção sobre esse ponto, expondo o fato de boa parte dos países tributarem lucros. No entanto, vá ver o sistema tributário desses países e a infraestrutura que eles já possuem hoje. Aqui falta de saneamento básico até capacidade de se transitar com cargas.
E o Estado Brasileiro, já em déficit há mais de meia década, não possui dinheiro para comprar uma caixa de fósforos, quanto mais para investir nesses setores.
Não há quem não se anime com a possibilidade de uma "reforma tributária", expressão que muito alegra nossos ouvidos depois de tanto sermos massacrados com os tributos brasileiros por tanto tempo.
É preciso ter cuidado, porém, pois as propostas podem, por mais inacreditável que possa parecer, piorar o que já é muito ruim.
Sempre que ver algum político falando sobre "protagonismo", se preocupe. Ele pode até não levar o tal protagonismo, mas o povo poderá ser vítima da tentativa.
É a maldita vaidade…