Por Beth Koike e Cynthia Malta | Valor
Após quase uma década na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), sendo os dois últimos anos como presidente, Leandro Fonseca deixa o posto nesta semana e volta em janeiro ao Ministério da Economia, onde iniciou sua carreira pública. Olhando para o futuro, lembra que a legislação que regulamenta os planos de saúde foi criada em 1998 e merece uma revisão. Mas preocupa-se com uma proposta de projeto de lei capitaneada pelas operadoras e apresentada em outubro ao Congresso e ao governo. “A lei já tem 20 anos e é uma boa prática revisitar. Mas minha preocupação é voltarmos ao período da pré-regulamentação, de capitalismo selvagem”, afirma Fonseca.
A proposta defende a necessidade de dar maior fôlego econômico às operadoras, mas esse fôlego viria em forma de planos de saúde mais restritos à população que não dariam, por exemplo, cobertura a tratamento de câncer e internação hospitalar.
As operadoras querem também controlar o reajuste do preço do convênio médico individual, que hoje é fixado pela ANS. A agência não determina os reajustes dos planos de saúde contratados por empresas – nestes casos, os aumentos chegam a ser o dobro do percentual determinado pela ANS na modalidade individual. Além disso, está no pleito das operadoras medidas que esvaziam o poder da ANS, cujas funções seriam transferidas, em sua maioria, para o Conselho de Saúde Suplementar (Consu).
Fonseca é contrário a vários itens da proposta das operadoras, mas reforça a necessidade de modernização das regras atuais do setor. Nesse sentido, propôs ontem, em sua última reunião com a diretoria colegiada da ANS, a revogação de 130 normas consideradas ultrapassadas. Havia entre elas, por exemplo, medidas que obrigavam as operadoras a enviar carta registrada para o usuário de plano de saúde, o que gera um custo elevado numa época em que há outros meios de comunicação como e-mail e celular. “Não estamos reduzindo a regulamentação e, sim, modernizando. Temos projetos em andamento para tornar a ANS mais digital. A ideia é que as petições passem a ser eletrônicas em 2020”, diz Fonseca.
Apesar de alguns problemas do setor não terem sido solucionados sob sua gestão, como a baixa oferta de planos individuais, reajustes elevados e judicialização, Fonseca liderou ações que levaram a avanços em temas considerados espinhosos. “As empresas que contratam plano de saúde para os funcionários delegam esse tema a uma área remota do RH [recursos humanos], sem se preocupar em identificar os problemas reais de seus funcionários”, afirma. Fonseca passou a dizer às empresas que seria preciso fazer a gestão de saúde de seus empregados para reduzir despesas. Ambev- Fundação Zerrenner, GE e Santander são exemplos positivos e vêm conseguindo negociar reajustes de preços mais palatáveis. “Estas empresas fazem o dever de casa e pagam menos. As que reclamam, em geral, não fazem.”
O presidente da ANS menciona outra medida recente que pode beneficiar o setor. O Superior Tribunal da Justiça (STJ), em decisão unânime, considerou correto os critérios usados pela ANS para adoção do rol de procedimentos obrigatórios. Essa decisão deve reduzir o número de ações judiciais contra as empresas de planos de saúde.
Também foi criada, sob a gestão de Fonseca, uma nova fórmula para o cálculo do reajuste dos planos individuais, cuja metodologia anterior foi alvo de vários questionamentos, inclusive, do Ministério Público. A nova fórmula considera a variação dos custos médicos, ou seja, os gastos das operadoras com hospitais e médicos. Mas parte desse custo é abatida conforme a eficiência operacional da operadora. “Trabalhamos para dar maior transparência, previsibilidade. Criamos um modelo de reajuste que permite isso às operadoras, que reclamavam da falta de previsibilidade para ofertar mais planos individuais”, disse Fonseca. Ele deixa uma agenda regulatória para o período de
Uma das medidas dessa agenda, que entra em vigor em 2020, é a mudança das reservas obrigatórias – a quantia que a operadora separa em uma conta caso venha a quebrar. Hoje esse capital equivale a um percentual do tamanho da empresa. A nova regra determina que a garantia seja calculada conforme o tamanho do risco da operadora sob vários critérios, como judicialização ou cálculo atuarial. A mudança atende a pleitos do setor, que há anos reclama que o valor dessas reservas é elevado.
A missão de tocar essa agenda ficará a cargo do novo presidente da ANS. O posto será ocupado interinamente pelo atual diretor Rogério Scarabel. A definição do titular é feita pelo Ministério da Saúde. Escolhido, o candidato deve ser sabatinado pelo Senado.