Por Bruno Barchi Muniz | LBM Advogados
Aos poucos, as normas fiscais vão se alterando para não mais criminalizar o empresário meramente inadimplente em relação a tributos federais.
A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou em 13/07/2022 a Portaria nº 199, que determina que somente deverá ser encaminhado ao Ministério Público (MP), para investigação criminal, procedimentos em que esteja “comprovada a ocorrência de fatos que configuram, em tese, crimes”.
Apesar de parecer uma obviedade que somente se deva levar ao MP situações que possam indicar a existência de crime, até o presente momento geravam representações fiscais para fins penais inúmeras situações de mera inadimplência tributária, aproximando a questão da prisão civil, impossível em nosso ordenamento jurídico.
Para fornecer um melhor histórico da questão, até o ano de 2009, a esmagadora maioria das autuações tributárias gerava representações, por parte da fiscalização tributária, ao Ministério Público, para investigação de crimes, situação que seria imediatamente aplacada se o contribuinte pagasse ou parcelasse o débito.
Em dezembro desse ano o STF publicou a Súmula Vinculante nº 24, que assim estabelece: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”.
Ou seja, estabeleceu-se a necessidade de resolução definitiva da discussão sobre a existência ou não do tributo ou dívida em esfera administrativa para, aí sim, a fiscalização comunicar ao Ministério Público sobre a existência de situação que poderia ser entendida como crime.
Como já antecipamos, mesmo antes disso já se colocava a faca no pescoço do contribuinte, afirmando que o pagamento da dívida excluiria apuração penal e que o parcelamento suspenderia a possibilidade dessa apuração, como de fato prevê a lei. Ora, se isso não é ameaça de prisão por dívida, o que poderá ser?
Enfim, apesar de haver esse texto como Súmula Vinculante, que vincula (ou deveria vincular) todo o Judiciário e Administração Pública – incluindo a Receita – pensam que essa prática de expedir representações antes do fim da apuração tributária acabou? Certamente, não.
O que mudou é que as representações não mais indicavam as condutas como sendo do art. 1º, incisos, da Lei nº 8.137/90, mas meramente indicavam “prática de crime da Lei nº 8.137/90”, genericamente.
Apesar de o Judiciário normalmente corrigir essas condutas manifestamente ilícitas da Administração, gera-se mais um tormento ao contribuinte, mais uma preocupação para um empresário que normalmente já está atolado em problemas financeiros e precisa lidar com acusações criminais descabidas.
Pois bem. Em março de 2022, o STF proferiu julgamento em plenário, na ADI nº 4.980, estabelecendo que também para crimes previdenciários, como apropriação indébita previdenciária ou sonegação de contribuição previdenciária, seria necessário o esgotamento da via administrativa, com a constituição do tributo e cobrança do crédito respectivo para que se pudesse realizar a representação fiscal para fins penais, não havendo espaço para que se fizesse isso em momento anterior.
Agora, a própria RFB determina que as representações não devem simplesmente derivar da existência de dívidas fiscais, mas devem observar se há, realmente, indícios de prática de crime.
Não sabemos ainda como será a execução prática dessas normas. No entanto, é certamente uma evolução em um problema que afligia injustamente inúmeros empresários já castigados por crises e outras enormes dificuldades.
Demorou apenas algumas décadas para resolver, se resolver. Mas, assim é o passo no nosso querido Brasil.