Por Bruno Barchi Muniz
Antes de iniciarmos o texto, cumprimentamos calorosamente – embora não mais saibamos como fazer isso em tempos modernos – os leitores, de quem ficamos distantes por longos nove meses, em razão da interminável peste que nos assola.
Conforme disse ao editor na ocasião do afastamento temporário, não havia mais assunto relevante a se colocar enquanto estivesse em plena evidência o tema da pandemia. E, sinceramente, já em maio do ano passado eu não aguentava mais receber em meu e-mail "dicas para a crise do COVID-19".
Portanto, julgamos que o mais sensato a se fazer era simplesmente não fazer nada, evitando comentários do dia, um verdadeiro vício nacional, muito propício em um país em que as desventuras e novidades macabras correm rápidas como um raio, com a profundidade e imensidão só comparável aos círculos do Inferno descritos por Dante Alighieri.
Com a esperança de não precisarmos falar recorrentemente do COVID, infelizmente partimos agora para ele, nesse artigo, com um pouco de história.
Aliás, advirto o leitor de que certamente não saberemos o que de fato foi essa pandemia antes de pelo menos 20 ou 30 anos, tempo mínimo para que se tenha alguma visão clara em perspectiva.
O curto tempo desde o início da doença, cerca de um ano atrás, como se verá, mais nos cria dúvidas do que certezas. Já houve no mundo, porém, casos que nos inspiram a pensar.
Basílio II foi o Imperador Bizantino no período da virada do primeiro milênio.
No início de seu império, por volta de 980, travou uma importante guerra com o Império Búlgaro, liderado por Samuel, sofrendo uma derrota humilhante.
Mais de 30 anos depois, por volta de 1.015, voltou ao campo de batalha contra o mesmo Samuel, obtendo vingança com uma vitória esmagadora.
Nessa campanha, tomou como prisioneiros 15 mil soldados búlgaros e, ao invés de matá-los ou escravizá-los, como era o normal da época, separou-os em grupos de 100, cegando completamente 99 e deixando o último cego de apenas um olho, para que pudesse guiar os companheiros de volta para a Bulgária.
A tradição conta que o Imperador Samuel, ao ver seu exército naquele estado, morreu por ataque cardíaco.
A destruição que Basílio II impôs ao inimigo não foi pela aniquilação do exército ou da população, mas pela criação de um problema social insuperável em pelo menos duas gerações. Em um só ato ele amputou completamente a força de trabalho búlgara e deixou a população sobrevivente incapaz de se reerguer, tendo que cuidar dos deficientes.
Para se ter uma ideia da proporção que era a multidão de 15 mil cegos, basta notar que Paris, já capital da França, somente atingiu 20 mil habitantes por volta de 1330, ou seja, mais de três séculos após.
Mil anos depois vivemos análoga situação. Os 99 cegos de cada grupo somos todos nós, o povo, isso é claro, senão as mulheres e crianças que precisarão cuidar desses 99 cegos.
E as demais personagens da história, quem são?
A OMS, hoje um pouco esquecida, reivindicou para si o monopólio da "ciência" médica, sendo acompanhada até pelo nosso STF, que, além de entregar aos governadores estaduais a decisão sobre as medidas contra a COVID (em raro exemplo de visão realmente federalista, que deveria ser regra geral) prometeu punir quem não seguisse as orientações!
Essas orientações, porém, não raro não duravam sequer uma semana, sendo substituídas pelo exato oposto.
Acontece que quando a OMS, por exemplo, disse que as máscaras somente deveriam ser usadas somente pelos que estivessem doentes, e não por toda a população, o desrespeito à OMS se tornou elogio, e não motivo de punição.
Aliás, que tipo de máscara? Se fosse mesmo algo voltado para proteção, não deveria haver parâmetros mínimos para garantir a qualidade das máscaras? O que se viu foi uma chuva de memes, com pessoas usando bandanas e até mesmo roupas íntimas para cobrir o rosto. E isso, por incrível que pareça, satisfaz completamente a norma que manda usar máscaras.
Alguns dos estudos mais centrais da estratégia da OMS foram feitos, descobriu-se depois, com base em uma armação que envolvia dados falsos fornecidos por um escritor de ficção científica publicados na Lancet, periódico médico que, mesmo assim, continua a ser o mais respeitado do mundo.
A Organização ainda recomendou arduamente o isolamento social completo. No entanto, quando em Wuhan, ponto de origem da pandemia, se organizou uma rave em um parque aquático, com público de dar inveja a qualquer Rock in Rio, não houve censura ou reprimenda, mas uma mensagem de plena compreensão: "não devemos culpar as pessoas por quererem viver suas vidas".
Aqui no Brasil todos os governadores são unânimes em repetir o mantra das "decisões com fundamento científico". Aliás, eram unânimes.
Na semana passada, o Secretário de Saúde do Estado de São Paulo, ao comentar o desejo de iniciar a vacinação o quanto antes, declarou: "Não é hora de sermos tão cientistas como estamos sendo agora".
O próprio Governador de São Paulo mandou fechar estabelecimentos apenas nos dias em torno do Natal e do Ano Novo, mantendo-os abertos antes e depois, algo como se houvesse risco naqueles dias, mas não nos outros. E, enquanto isso, partiu para curtir férias – cientificamente – em Miami, livre das amarras das máscaras e do inconveniente das lojas fechadas.
Poderia passar o resto do dia, talvez da semana, citando casos nacionais e estrangeiros das mais completas loucuras e atitudes contraditórias arbitrárias ordenadas por governantes.
Voltando à história de mil anos atrás, já definimos que nós, o povo, ou somos os 99 cegos de cada grupo ou aqueles obrigados a cuidar desses enfermos.
Mas, afinal, quem são a OMS, os proclamadores da "ciência" e os governantes?
Às vezes parecem apenas novos tiranos, algo como um "Basílio III". Em outros momentos, porém, a inépcia é tão profunda que mais se assemelham àqueles cegos de um olho, que guiam os outros 99 de maneira errante.
Se não sabemos perfeitamente qual é o papel dessa gente nesse terrível teatro, a única certeza indubitável, por enquanto, é a nossa destruição.