Por Bruno Barchi Muniz | LBM Advogados | Artigo
A pandemia iniciada ao final do ano de 2019 trouxe diversas mudanças que vieram para ficar em definitivo, sobretudo nas relações de trabalho, sendo, a mais notável delas, o trabalho em home office.
Como o Direito é sempre retrógrado, no sentido de que não consegue se antecipar aos fatos, mas somente valorá-los após o acontecimento e consolidação, o Judiciário começa somente agora a analisar os primeiros casos relacionados ao home office, sendo o acidente do trabalho o tema da nossa discussão do momento.
Em caso recentemente analisado pela primeira instância da Justiça de São Paulo, um trabalhador que ocupava a posição de designer gráfico em regime de home office sofreu um acidente ao cair de sua própria altura, resultando em lesões no punho direito e uma redução parcial de sua capacidade de trabalho.
Ele processou a empresa pleiteando indenizações em virtude do fato.
Porém, na decisão proferida, o pedido foi negado, sob o argumento de que embora seja responsabilidade do empregador implementar medidas preventivas contra acidentes ou doenças ocupacionais, a empresa não tem como ter controle sobre os ambientes nos quais os funcionários realizam trabalho remoto.
Acrescentou-se que a legislação acidentária não possui proteção específica para atividades desempenhadas em home office, já que não se trata, propriamente, de trabalho realizado externamente, mas que ocorre fora das dependências do empregador e, frequentemente, dentro da residência do trabalhador, local o qual a empresa não possui autonomia para organizar e controlar todos os fatores. De fato, o contrário seria a mais completa submissão do empregado à empresa, até para fins distantes do trabalho.
Com esse entendimento, foi negada qualquer indenização, embora a decisão tenha ressalvado que há, em tese, possibilidade de se buscar benefícios previdenciários.
Em nosso entender, a decisão andou bem, pois, de fato, a empresa não pode ser obrigada a controlar todo o ambiente doméstico do empregado. Do contrário, fora a ingerência acima já destacada, ter-se-ia imposição de risco integral para a empresa, o que iria subverter completamente a lógica jurídica das relações de trabalho.
A única ressalva que merece ser feita, em nosso entender, é que nos parece que a empresa teria a obrigação de fornecer os meios necessários para o trabalhador exercer seu mister com condições similares àquelas que existiriam e seriam exigíveis no ambiente da empresa.
Como exemplo, podemos citar os trabalhadores em home office que passam o dia em frente ao computador. É necessário que a mesa, cadeira e ambiente observem a ergonomia, sendo que, se assim não acontecer, poderá haver a responsabilidade da empresa em uma eventual doença do trabalho.
Isso não foi analisado pela decisão acima narrada por não ser o objeto daquele processo. No entanto, merece a ressalva.
Por fim, vale destacar que em nosso modesto entender, a fiscalização do uso dos equipamentos em ergonomia, como acima exemplificado, não deve seguir os mesmos rigores e exigências que a empresa teria em ambiente próprio, se limitando ao dever de fornecer os equipamentos, se o caso.
Isso porque não há como se exigir que a empresa ingresse na privacidade da residência do empregado para verificar se a todo tempo se está fazendo uso correto dos equipamentos, de modo que as questões de doenças ocupacionais e do trabalho também devem se submeter a regramentos específicos quando em home office, ainda inexistentes em nossa legislação.
O Direito, como sempre, correrá atrás desses assuntos.
Bruno Barchi Muniz – é advogado, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos, Pós-Graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD), membro da Associação dos Advogados de São Paulo. É sócio-fundador do escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados, e escreve sempre às sextas-feiras para o Blog do Corretor.