Por Lucas Miglioli
O momento não é dos melhores para o segmento da saúde suplementar. O setor – que engloba medicinas de grupo, seguradoras, autogestões, santas casas e cooperativas médicas – vem enfrentando constantes desafios que põem em xeque sua sustentabilidade. No último ano, as operadoras de planos médico-hospitalares registraram prejuízos operacionais alarmantes, o pior resultado dos últimos 25 anos e o segundo ano consecutivo no vermelho.
Não é novidade para ninguém que o aumento exponencial dos custos com saúde, uma tendência mundial, também afeta o sistema brasileiro. A indústria médica tem desenvolvido tratamentos cada vez mais avançados, ampliando as chances de cura para diversas patologias, o que é para lá de louvável. No entanto, o avanço tem seu lado pernicioso, especialmente pelos preços exorbitantes dessas tecnologias. Algumas chegam a custar mais de R$ 7 milhões para um único paciente. A discrepância entre os recursos finitos tanto da saúde privada quanto da pública coloca seus gestores diante de um verdadeiro dilema, ao impor escolhas aptas a produzir resultados eficazes para os pacientes a preços compatíveis com a sustentabilidade da operação.
O cenário legislativo brasileiro, como soe acontecer, deixa o processo de tomada de decisão ainda mais complexo. Novas leis têm comprometido a alocação dos recursos pelos planos de saúde. Uma delas tornou o processo de incorporação de medicamentos e tratamentos o mais rápido do mundo, com prazos exíguos para qualquer análise, inclusive a de impactos. Outra modificou o rol de cobertura, criando condições frágeis para obrigar os planos a oferecerem itens fora da lista definida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Além disso, o órgão regulador removeu o limite para sessões com profissionais como psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas com cobertura obrigatória.
Essas alterações atingiram pilares fundamentais do setor, como o mutualismo e a adequada precificação de riscos. Uma fatia cada vez maior das receitas das operadoras é comprometida com o pagamento a hospitais, clínicas e laboratórios pelo atendimento aos beneficiários. A sinistralidade, indicador que mede a proporção dessas despesas em relação às receitas, atingiu um preocupante índice de 93,2% em setembro de 2022, minguando a margem para as operadoras cobrirem seus custos administrativos e comerciais. Noutras palavras: de cada R$ 100 recebidos pelos planos de saúde de seus beneficiários, R$ 93,20 são gastos com prestadores e serviços de saúde. Não é difícil perceber que a conta está cada vez mais perto de ser impagável. A consequência será o fechamento de operadoras e a diminuição das opções para os consumidores adquirem um serviço privado de assistência à saúde.
A inviabilização da saúde suplementar não afetará apenas as operadoras. Seus 50,3 milhões de usuários podem ficar sem cobertura em caso de insolvência. Além disso, a crise impactará, significativamente, o Sistema Único de Saúde (SUS), onde muitos brasileiros deverão se socorrer caso não tenham condições de arcar com as mensalidades dos planos. A deterioração do setor de saúde suplementar também pode comprometer toda a cadeia de prestação de serviços de saúde privada. Os hospitais privados, laboratórios e demais prestadores de serviços dependem cada vez mais dos recursos provenientes dos planos de saúde. O colapso do setor terá consequências econômicas e sociais graves, incluindo o desemprego de milhões de pessoas e a redução do acesso da população aos serviços de saúde privados.
Esse cenário apocalíptico nos leva a refletir sobre a responsabilidade e o papel na promoção da saúde dos diversos atores que compõem o ecossistema de saúde. Cada um deles precisa desempenhar seu papel e contribuir de maneira responsável à sustentabilidade do segmento.
As operadoras de planos de saúde, que desempenham um papel central no sistema de saúde suplementar, devem adotar práticas de gestão eficiente, buscando aprimorar a qualidade dos serviços prestados e controlar os custos. Além disso, é fundamental adotarem políticas de reembolso responsável, estabelecendo critérios claros e transparentes para a cobertura de procedimentos e tratamentos, levando em consideração sua eficácia e custo-benefício.
Os prestadores de serviços de saúde, hospitais e clínicas também possuem uma responsabilidade crucial na sustentabilidade do ecossistema. Eles devem buscar a eficiência operacional, reduzindo desperdícios e otimizando os recursos disponíveis. Precisam atuar de forma ética, evitando práticas fraudulentas que impactam negativamente os custos e a qualidade dos serviços prestados.
Os médicos e demais profissionais de saúde têm um papel fundamental na promoção da saúde e na utilização adequada dos recursos. Deles se espera práticas baseadas em evidências científicas, evitando prescrições e procedimentos desnecessários. É importante estarem engajados em programas de educação continuada, atualizando-se sobre as melhores práticas e tecnologias disponíveis.
E, por fim, os beneficiários dos planos de saúde, a razão de ser de tudo isso, também devem se conscientizar de sua responsabilidade na sustentabilidade do sistema, buscando utilizar os serviços de forma responsável, evitando o uso desnecessário e o desperdício. Ter uma postura proativa em relação à sua saúde, adotando hábitos saudáveis, realizando exames preventivos e buscando a prevenção de doenças.
Somente por meio do engajamento de todos os atores e da implementação de medidas efetivas será possível enfrentar os desafios e assegurar o acesso a serviços de saúde de qualidade para a população brasileira.
Lucas Miglioli – é sócio do M3BS (Miglioli, Bianchi, Borrozzino, Bellinatti e Scarabel Advogados)