A expressão que promete ser o centro das próximas eleições já se sabe qual é: "fake news".
Essa expressão surgiu ou, ao menos, se popularizou durante as últimas eleições presidenciais americanas, em que a mídia tradicional apontava que Hillary Clinton possuía 99% de chances de vitória e que Donald Trump possuía apenas 1%. O resultado, já o sabemos.
Acontece que essa mídia que, na melhor das hipóteses, errou abertamente o resultado -assim como já havia errado (na melhor das hipóteses) no resultado do Brexit – passou a dizer que ela era quem estava certa e que se o resultado não veio conforme ela assim dizia, a culpa era da propagação de "fake news", literalmente, "notícias falsas", que estavam enganando eleitores por aí.
Claro, pois é impossível que alguém possa ser a favor de algo que a mídia é contra, não é mesmo? A explicação lógica que a mídia tem para a discordância que alguém tenha consigo própria é de que a pessoa foi enganada, ou quem sabe, seja uma pessoa meio burrinha e que precise da mídia para dizer-lhe o que é certo.
Depois de tantos séculos de imprensa e com o agigantamento de grupos de comunicação mundiais, especialmente no século passado, essas entidades passaram a colaborar com o poder como o próprio Ministério da Verdade da ficção (nem tão fictícia assim) de George Orwell.
Com o recentíssimo engrandecimento das redes sociais, que deram voz a qualquer pessoa e a capacidade de expor pensamentos, reflexões e opiniões mundialmente apenas com um acesso ao computador, o prestígio dessas mega corporações caiu vertiginosamente.
E não poderia ser diferente. Em meio a um mar de bobagens, as redes sociais dão vida a uma infinidade de bons escritores que jamais teriam condições de escrever para veículos tradicionais de comunicação, por não refletirem a opinião oficial.
Mais do que isso, a expansão de escritores passa a dar voz àqueles que não a possuem, explica o que há de errado para aqueles que percebem intuitivamente a existência de algo errado, mas não sabem traduzi-lo. Conseguem iluminar e ordenar as ideias para uma pessoa que ainda não conseguiu fazê-lo, da mesma forma como um professor o faria.
A reação do nosso Ministério da Verdade não foi pequena. O Presidente do TSE declarou guerra às "fake news". Na Câmara dos Deputados, no mês passado, havia uma discussão severa sobre o que fazer com quem produzisse e compartilhasse esses conteúdos, sendo que alguns projetos de lei propõem, inclusive, tornar essa conduta um crime, com pena de prisão.
Mas a mídia, o nosso Ministério da Verdade do mundo real, reagiu de outra forma: criaram agências de "fact-checking", pessoas aparentemente mais espertas do que as outras que trabalham para checar informações para ver se são falsas ou não.
E tudo começa assim: pega-se uma notícia bizarra ou obviamente falsa e diz-se que ela é falsa. Pega-se também um "dado" fornecido por alguém e a ele se dá interpretação diversa, para dizer que a pessoa estava mentindo, que estava propagando "fake news".
Um exemplo disso foi uma entrevista recente de Raul Jungmann. Nela, ele afirmou o seguinte: "Quando você soma roubo, furto, usuário de drogas, pequeno traficante, você chega a quase 80% da população carcerária".
A pessoa que estava checando a "veracidade" da informação disse que a afirmação era "exagerada", pois o número real é de cerca de 65%.
É a adoção da literalidade e a ignorância, intencional ou não, de tratar-se de uma fala notoriamente retórica para dizer que o dado era errado. O que ele havia dito, em suma, é o seguinte: "a grande maioria das prisões são em razão de crimes patrimoniais e relacionados a tráfico".
Mas essa estratégia do "fact-checking" tem uma razão de ser. Ao corrigir e apontar "falsidades" nas questões óbvias e fabricadas, poderão, depois, apontar "falsidades" em opiniões e em outras situações de aspecto subjetivo, empregando a estratégia da "ampliação indevida", para que o leitor pense: "ora, se eles disseram que aquilo era mentira, isso que também dizem ser mentira também deve ser".
A mentalidade do fact-checking, ainda que fosse bem intencionada, é totalitária do princípio ao fim, criando órgãos oficiais para ditar às pessoas o que é verdade e o que é mentira, para propagar a opinião oficial.
Com essa soma de instrumentos, que vão da execração pública de ser chamado de "mentiroso" arbitrariamente por um autointitulado verificador de verdades até a prisão por opinião, a liberdade de expressão está a um passo de ser revogada, sob muitos aplausos, ainda.
É uma verdadeira revolução contra as massas. E, como toda revolução – no sentido de mentalidade revolucionária – tem o intuito de confundir e criar quebras na compreensão das pessoas, com modos muitas vezes contraditórios, somente para impedir um pensamento linear e que consiga encontrar o que realmente há por trás dos movimentos.
Por isso é que também no mês passado, na mesma semana em que a comissões da Câmara dos Deputados discutiam projetos para criminalizar "fake news", no STF ocorria um seminário a respeito da liberdade de expressão, ocasião em que um deputado que lá estava defendeu a impossibilidade de se responsabilizar civil ou criminalmente jornalistas por suas opiniões, quaisquer que fossem. Disse ele que as imputações de injúria, difamação e calúnia são prejudiciais ao jornalismo e impedem a liberdade de expressão.
É quase que a situação diametralmente oposta ao que se quer aplicar às alegadas "fake news". Mas a contradição é conveniente.
O mesmo sistema que quer punir quem tenha a opinião diversa daquela do Ministério da Verdade pretende imunizar qualquer fala, desde que essa pessoa tenha uma espécie de "salvo conduto", obviamente outorgado por órgãos oficiais de chancela.
Ou seja: para os inimigos, a punição pelas "fake news"; aos amigos, a imunidade completa.
Todas essas medidas são ruins e todas elas implicam em destruição de caros e eternos institutos jurídicos democráticos, que consagram tanto o direito de livre se expressar quanto o direito de ser indenizado em caso de lesão à honra.
É assim que sempre deve ser. Mas, em breve, não mais será.