Recentemente, noticiou-se que o governo pretende rever a isenção previdenciária concedida às entidades filantrópicas, pois isso geraria uma perda de arrecadação de R$ 11 bilhões apenas para o ano de 2016.
Tecnicamente, no Direito Tributário, isso é uma imunidade, pois tem previsão constitucional, e não mera isenção, ou seja, outorga de benefício em lei. As raízes, nesse sentido, são muito mais profundas do que se pensa, muito embora o art. 195, § 7º, da Constituição, fale, impropriamente, em isenção.
A esse respeito, ainda na técnica do Direito Tributário, as imunidades possuem interpretação extensiva, para abarcar a não tributação sobre o que a norma quer, afinal, deixar de tributar, analisando-se o sentido que o constituinte quis dar à norma. Trata-se de alcance muito superior.
A título de exemplo, a imunidade para "livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão", prevista no art. 150, VI, "d", da Constituição Federal. Existem inúmeros precedentes, corretos, em nosso entendimento, no sentido de que os livros digitais também são imunes à tributação, bem como certos materiais de estudo que acompanham revistas.
Percebe-se que essa imunidade tem como objetivo a preservação do ensino, cultura e até mesmo da liberdade de expressão.
A isenção, por outro lado, é restritiva e se interpreta literalmente, não possuindo alcance maior do que o próprio texto da lei ou norma que a outorgue.
Por isso, em nosso modesto entendimento, as normas que a pretexto de "regulamentar" a imunidade para entidades filantrópicas criam barreiras grotescas e com nítido intuito de prejudicar as entidades são inconstitucionais. Não há compatibilidade entre uma imunidade e um regramento excessivo no plano legal.
Enfim, voltando ao ponto, o governo entende que o INSS está sendo prejudicado com a perda de receitas, tendo em vista que muitas entidades gozam da imunidade mencionada. A revisão que se pretende fazer tem o objetivo de contemplar apenas as entidades que "efetivamente mereçam" a proposta.
Só que o tiro pode acabar saindo pela culatra, pois, na prática, a teoria é outra.
Não saberia dizer sobre o setor de educação e assistência social, mas sobre o setor de saúde, posso afirmar com segurança: os hospitais filantrópicos sustentam o Estado brasileiro no quesito saúde, e não o contrário.
O SUS não possui reajustes há muito tempo. Mas mesmo reajustes de 100, 200, 300% não resolveriam em nada a situação da esmagadora maioria das entidades.
Nesse sentido, o SUS paga uma cota a cada entidades, valor definido de acordo com critérios legais. Se for o suficiente para atender à demanda, excelente. Se sobrar dinheiro, e nunca sobra, deve ser devolvido aos cofres públicos. Se faltar dinheiro, e sempre falta, o SUS não faz novos aportes, de modo que a entidade filantrópica é quem deve bancar, do seu próprio bolso, mais atendimentos.
Mais uma vez nossos governos acenam com uma solução que não soluciona. Mas qual o motivo por trás dessa ideia?
Aumentar o caixa da Seguridade Social, que contempla as ações de saúde, assistência e previdência social não pareceria assim tão ruim, de certa forma, a despeito da violação à regra de imunidade.
Só que olhando adiante, a intenção é aumentar o patrimônio da Seguridade Social não para a aplicação nesses direitos sociais, mas para reforçar o caixa da União, leia-se Governo Federal, de forma monstruosamente antijurídica.
Quem já ouviu falar da "Desvinculação das Receitas da União" ou "DRU" saiba que significa o seguinte: 20% (vinte por cento) dos valores arrecadados por entidades paraestatais, como o INSS, que possuem destinação específica para financiar o próprio INSS, podem ser desviadas para quaisquer outras finalidades talvez não tão urgentes, como fazer estádios em locais onde não se pratica futebol, por exemplo.
Mas o STF referenda esse tipo de comportamento, iniciado no período FHC e perpetuado desde lá. Então…
Em tempo, relevante esclarecer que não fazem esse tipo de "jogada" com os impostos da União, como o Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), pois o fruto dessa arrecadação necessariamente seria dividido com Estados e Municípios, por ordem constitucional.
Assim, ainda que desconsideremos toda a maldade por trás da anunciada intenção, o governo, se dificultar a tomada das imunidades pelas entidades filantrópicas, além de estar cometendo uma inconstitucionalidade, pode ainda acabar dando o tiro de misericórdia na saúde brasileira, fazendo com que os hospitais, já cambaleantes, fechem definitivamente suas portas. Se eles já tiravam dinheiro do próprio bolso para fazer as vezes do Estado, a quem o povo poderá recorrer depois?