“A ANS não podia ter feito isso desse jeito. Ela prejudicou muita gente. Eu fiquei com dez pacientes para operar sem liberação dos hospitais. Pacientes em tratamento de quimioterapia, radiologia e hemodiálise tiveram que entrar na Justiça para conseguir ser atendidos no hospital. Isso travou tudo”.
Por: Eduardo Gonçalves e Luís Lima
A ginecologista Vera Lucia Martins, de 62 anos, trabalhava com a Unimed Paulistana havia mais de 30 anos. Os clientes da operadora de saúde, que teve sua quebra decretada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) no dia 2 de setembro, eram responsáveis por até 70% do movimento do consultório da médica. Além da perda da clientela da Paulistana, Vera Lucia ficou também sem receber os cerca de 30.000 reais que o convênio deve a ela. “Parece que estou naquele sono horroroso que ainda não acabou”, diz. Para não fechar as portas, a ginecologista recorreu a um dinheiro que tinha guardado na poupança e a outras aplicações financeiras. Também teve que oferecer fortes descontos para manter a clientela. “Alguns colegas me falaram que isso é humilhação, mas é preciso ter fé.”
Antes de quebrar, a cooperativa médica vivia uma grave crise financeira havia pelo menos seis anos. Ela terminou o ano com patrimônio líquido negativo de 169 milhões de reais – ou, em outras palavras: mesmo que vendesse tudo o que tem, ela ainda ficaria devendo 169 milhões de reais. Médicos como Vera Lucia Martins estão esses credores, mostrando que não apenas os clientes do plano vivem momentos de angústia. A eles – são cerca de 2.400 conveniados – , a Paulistana enviou e-mails informando que está sem “fluxo de caixa”, o que significa que não há dinheiro entrando.
Um endocrinologista ouvido pelo site de VEJA, que aceitou falar sob condição de anonimato, disse que ainda não recebeu pelos atendimentos feitos nos meses de julho, agosto e setembro. O débito, diz, é de 50.000 reais. Segundo ele, é comum que os convênios paguem os médicos até dois meses depois da consulta. Mesmo feita essa ressalva, são 22.000 reais que a Paulistana deve a ele apenas pelas consultas realizadas no mês de julho.
O endocrinologista diz ter perdido 80% dos seus clientes, todos clientes da Paulistana. “O consultório está praticamente parado”. Com o novo desafio, ele passou a oferecer descontos e aceitar o reembolso de outros convênios para não quebrar. Da parte da empresa, ao invés do dinheiro na conta, recebeu diversos e-mails na sua caixa de entrada (veja abaixo). “Eles alegam que vários clientes migraram e que o que nós recebíamos era por antecipação de acordo com o banco [de clientes]”. De acordo com o endocrinologista, um grupo de médicos tem se mobilizado para tentar reaver as cifras devidas na Justiça. Outra reclamação dos médicos é a perda de seus planos de saúde e a impossibilidade de migrar para outra operadora do Sistema Unimed sem a obrigação de pagar novas carências. Questionada, a Unimed Paulistana apenas confirmou a descontinuide da assistência por causa do repasse da carteira de clientes pela ANS.
jornal O Estado de S. Paulo, o atual presidente da operadora, Marcelo Nunes reforçou que não há prazo para normalização da situação. “Os médicos cooperados, se a empresa ainda tiver algum fluxo de caixa, vão ter a sua parte devidamente acertada dentro do que for possível”, declarou.
Em nota, a Unimed Paulistana esclareceu que “vem se empenhando para arcar com os honorários dos médicos cooperados que atuaram (e ainda atuam) em prol dos atendimentos aos beneficiários ainda ativos na base de dados da empresa.” Ainda segundo a empresa, a Unimed Fesp – outra operadora do sistema – “tem por obrigação auxiliar as singulares em dificuldades financeiras”.
Uma otorrinolaringologista, que também pediu anonimato, afirmou que após a alienação compulsória da Paulistana a situação ficou “um caos”. “A ANS não podia ter feito isso desse jeito. Ela prejudicou muita gente. Eu fiquei com dez pacientes para operar sem liberação dos hospitais. Pacientes em tratamento de quimioterapia, radiologia e hemodiálise tiveram que entrar na Justiça para conseguir ser atendidos no hospital. Isso travou tudo”.
A Câmara de Vereadores de São Paulo instaurou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Planos de Saúde em março. Nos últimos meses, a CPI se dedicou a apurar o que levou a Unimed Paulistana à bancarrota. A vereadora Patrícia Bezerra (PSDB), presidente da comissão, já ouviu a antiga diretoria da empresa e também a mais recente, mas, segundo ela, ainda não foi possível entender o caso por completo. “Um empurra o problema para o outro”, afirma. O relatório dos trabalhos da CPI será divulgado em fevereiro de 2016, mas a vereadora diz achar “estranhas” algumas circunstâncias do caso, como a apresentação de balanços superavitários, mesmo com o agora notório acúmulo de dívidas.