Na cultura ocidental, poucas coisas são tão sagradas quanto o respeito aos mortos e o direito de enterrar os entes queridos.
Mas, e quando ocorre um erro que não permite saber se realmente se enterrou o ente querido ou mesmo se ele faleceu ou não? Foi esse o caso que o TJ/SP enfrentou recentemente.
Um casal perdeu seu filho, natimorto. O pai foi ao hospital onde a criança falecida estava, acompanhado de uma agente funerária, que retirou o corpo e pediu ao pai uma roupa de menina para o velório.
O sepultamento ocorreu e o marido falou sobre isso com sua esposa, quando ela lhe disse que a criança deles era do sexo masculino. O mesmo constava dos registros hospitalares e foi confirmado por testemunhas.
Por isso, havia a desconfiança de que os pais enterraram criança que não era sua. Pior ainda, não sabiam se seu filho estava vivo ou não.
Depois da investigação policial, em 2010 a promotoria concluiu que houve troca de bebês mortos no necrotério do hospital.
Já em segunda instância, o Tribunal entendeu que havia necessidade de se confirmar a decisão de primeira instância e a responsabilização do hospital pela angústia causada aos pais que perderam seu filho. Houve, no entender do julgamento, erro na conduta, pela entrega do corpo errado, dano consistente na ofensa ao direito de enterrar o filho e culpa do causador do dano.
Considerando ainda o tempo de quase dez anos para que se verificasse o que realmente aconteceu naquele caso, prolongando o sofrimento dos pais, que mantiveram, no período, a incerteza entre a morte e desaparecimento de seu filho, a indenização foi majorada dos R$ 140 mil arbitrados em primeira instância para R$ 240 mil, por unanimidade.
Nota-se, no caso, a apreciação judiciária por vezes rara. Não analisou-se só o fato em si – a troca dos corpos dos bebês – mas uma análise mais aprofundada, ainda que objetiva, da angústia dos pais diante não só do funeral errado, mas da incerteza da perda.
Psicólogos são unânimes em dizer que o pior luto costuma ser o das pessoas cujos entes queridos faleceram em grandes desastres, quando não há um corpo para se enterrar. A única dor que imagino poder ser pior é a dos parentes dos desaparecidos, situação que perdurou por muito tempo nesse caso, até a certeza do falecimento do filho.
Se não é possível mudar o passado, o Direito cria a indenização como forma de reparação.