Por Bruno Barchi Muniz | LBM Advogados
No último artigo comentamos reportagem do site Jota, intitulada “Mais jovens deixam planos de saúde e ‘equação da idade’ vira problema para empresas” .
Listamos os principais problemas que o editorial apontou, que eram os seguintes:
1) Alto índice de desemprego e falta de renda, sobretudo entre os jovens de 18 a 24 anos;
2) Perspectivas econômicas ruins para o país;
3) Recentes reajustes enormes nos planos de saúde;
4) Mau uso do serviço, com usuários que vão “passear” no médico ou que fazem exames que sequer vão buscar;
5) Médicos conveniados ou de entidades conveniadas que prescrevem tratamentos ou medicamentos que não estão previstos no rol da ANS, gerando custos adicionais.
No nosso comentário anterior, falamos sobre os três primeiros itens, aprofundando questões sobre as possíveis origens e alguns desafios talvez não observados, de natureza econômico-social, que permeiam a contratação dos jovens com os planos de saúde.
No artigo atual trataremos sobre os dois itens derradeiros, que nos parecem mais ligados a temas jurídicos e desconsideração dos contratos, por ambas as partes.
Começamos refletindo sobre problema indicado pelos gestores dos planos de saúde, no sentido de que muitos usuários “passeiam” em médicos e pedem exames que não são nunca sequer retirados dos laboratórios.
Apesar de sabermos que isso existe, não temos ciência do tamanho do impacto gerado financeiramente para os planos de saúde. Nem sabemos se existe alguma solução para isso.
Do ponto de vista jurídico, certamente é difícil identificar se o usuário está “passeando” no médico, ou seja, demandando do serviço desnecessariamente, embora isso seja uma indiscutível realidade.
Quanto aos exames que são solicitados, colhidos, mas não são retirados, isso, sim, nos parece uma infração contratual geral, pois atenta contra a boa-fé que deve orientar a formação e exercício dos contratos.
“Eu estou pagando, então vou fazer de tudo” é um raciocínio bastante comum ao brasileiro. A deslealdade contratual infelizmente parece estar ligada ao DNA nacional.
Mas, aqui também há dificuldade prática, pois iriam os planos processar seus maus usuários, como de fato mereciam ser processados por essas condutas mendazes?
Além de ser custoso e possivelmente não exitoso, poderia ainda gerar a migração do cliente para o concorrente. Mas, vale a pena manter clientes desleais? Nos parece ser questão de profunda discussão, sem necessariamente haver uma solução.
Por fim, nas oitivas da reportagem, criticou-se os médicos e entidades conveniadas que prescrevem tratamentos ou medicamentos não previstos no rol da ANS, gerando custos imprevistos para os planos de saúde.
Na nossa experiência em trabalhos em hospitais, confirmamos que um dos grandes desafios é elaborar junto às equipes uma “lista” ou, pelo menos, uma padronização de medicamentos para utilização cotidiana.
Médicos são profissionais liberais que têm suas preferências pessoais e profissionais, e isso, por si só, dificulta essas padronizações e eleições de medicamentos para compras mais vantajosas com fornecedores.
E isso que estou falando diz respeito a um só hospital. Só que os planos de saúde comumente agregam diversas entidades.
Imagine padronizar medicamentos para uma coletividade de hospitais, médicos e clínicas médicas?
E a coisa fica ainda pior: em uma situação quase utópica como essa, o médico teria que escolher o que prescrever não com base na doença do paciente, mas com base na preferência de seu convênio médico, posto que cada empresa teria negociações, vantagens e preferências com laboratórios e fornecedores de medicamentos distintos.
Vamos pelo exemplo mais banal e superficial: o paciente está com dor. O médico prescreverá paracetamol ou dipirona? E de qual fabricante? Olharia a “carteirinha” do plano de saúde para decidir?
Se é assim com coisa pequena, imagine com os caríssimos antineoplásicos, que devem ser fornecidos pelos convênios?
Apenas por esse lado a situação já se torna insustentável.
Por outro, muito mais claro e sério, existem casos – e não são poucos – que a medicação “padrão” não atende à necessidade do paciente, não sendo razoável exigir que o profissional lance mão de medicação incongruente com o estado do usuário. Aliás, usar medicamento insuficiente ou não aplicável ao caso, é descumprimento contratual e ético do médico, coisa que os planos muitas vezes ignoram ou tentam fazer ignorar.
A padronização é um desafio a ser buscado e, provavelmente, um sonho impossível. De todo modo, não é motivo para que profissionais sejam constrangidos a tratar indevidamente pacientes, sobretudo em questão tão delicada quanto a saúde.
Por fim, já dissemos em outras ocasiões, mas é bastante surpreendente como os planos ainda insistam em falar a respeito do “rol da ANS”, tendo em vista que já existe mais de 20 anos de jurisprudência obrigando aos tratamentos não previstos no dito rol, sendo que, agora, a própria lei já dispõe sobre o rol ser apenas exemplificativo, e não exaustivo.
Talvez um bom começo seja não mais dar murro em ponta de faca.
Bruno Barchi Muniz – é advogado, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos, Pós-Graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD), membro da Associação dos Advogados de São Paulo. É sócio-fundador do escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados.