STF e seu manicômio jurídico: o caso do ‘indulto’ a Daniel Silveira

Jose Anderson

Jose Anderson

Por Bruno Barchi Muniz | LBM Advogados

Dizem por aí que o mundo está ficando “chato”. Pode até ser, mas o maior problema é que o mundo está ficando absolutamente louco.

No Brasil, como já dissemos algumas vezes, infelizmente o protagonista da loucura é o Judiciário, principalmente através do STF, que deveria ser o primeiro a sanar o Direito.

O assunto do momento é o “indulto” (tecnicamente, é o instituto da “Graça”) concedido ao deputado cassado Daniel Silveira, condenado a pena de prisão, multa e perda de direitos políticos pelo STF.

Realmente, o processo tem pontos surpreendentes, a começar por a alegada vítima do réu ser também a julgadora do réu, em situação sem precedentes no nosso Direito nos últimos séculos.

Mas, aqui, não vamos tratar de aspectos do processo, mas apenas do “indulto” (como já dito, “Graça”) concedido pela Presidência da República.

Tão logo foi anunciado o decreto concedendo Graça, houve a já tradicional enxurrada de ações buscando “anular” o ato, tanto junto ao STF quanto na justiça de primeira instância. Em órgãos de imprensa alguns ministros da Suprema Corte não disfarçaram haver a busca de uma estratégia para, de algum modo, invalidar a Graça concedida.

O simples fato de haver processos judiciais a esse respeito já é um grave sinal de deformação da mentalidade jurídica. No entanto, como estamos em uma era em que a política está ultrapassando e abarcando tudo, inclusive o ensino, infelizmente não causa surpresa.

A maior surpresa é o Judiciário – composto de pessoas que, pensávamos, estudaram em tempos melhores – simplesmente acolher a possibilidade de análise dos pedidos. Sim, porque esses processos todos são todos “juridicamente impossíveis”.

Curioso observar que quando eu era discente – e não faz tanto tempo assim –, essa expressão era bastante comum e recorrente durante os estudos. Mais de uma década depois, parece ter desaparecido do vocabulário técnico do Direito.

Não há mais nada juridicamente impossível, de modo que, ao contrário, tudo se tornou possível. Só se esquecem de que o Direito não necessariamente diz sobre a realidade. E é justamente por isso que há (ou havia, aparentemente) situações que são juridicamente impossíveis, pois contrariam a lógica ou a realidade em si mesma.

A Constituição Federal outorga com exclusividade ao Presidente dispor sobre a concessão de Graça, que é justamente o perdão e comutação ou extinção de penas individuais de certa pessoa.

Mas, mesmo que não houvesse esse aspecto do Direito Positivo, com a Constituição Federal, isso já é parte do Direito em si historicamente, se consubstanciando em norma cogente.

Duas semanas atrás celebramos a Páscoa e, na Sexta-Feira da Paixão, lembramos que Pilatos tinha como tradição soltar um preso para os judeus nessa data. Era o mesmo instituto da Graça, concedido a Barrabás, porque Pilatos assim o quis – embora por pressão popular.

O Presidencialismo tem o grave problema de fundir em uma só pessoa – o Presidente – as posições de Chefe de Estado e Chefe do Poder Executivo. Na Monarquia não se tem esse problema, pois há nítida distinção entre o Rei e o Primeiro Ministro, por exemplo.

No Presidencialismo, porém, não se diferencia a pessoa, mas somente a natureza do ato realizado.

Para o homem médio talvez seja realmente duvidoso e até espinhoso dizer o que é ato de Estado e o que é ato de Executivo. Para quem estudou Teoria Geral do Estado no primeiro ano de faculdade, como o pessoal do Direito, isso não deveria ser uma grande novidade.

Com efeito, quando o Presidente realiza ato como Chefe do Executivo, esse ato é suscetível de controle judicial – e mesmo assim deveria ser reduzido e delimitado, coisa que já não acontece, sobretudo nos últimos anos.

Porém, quando o Presidente realizada ato como Chefe de Estado, esse ato obviamente não é suscetível de controle judicial.

Vamos explicar a mesma situação com outro exemplo: também é privativo do Presidente, enquanto Chefe de Estado, declarar guerra e celebrar a paz.

Em uma hipotética situação em que o Brasil declararia guerra à Argentina, poderia o STF ou algum outro juiz atuar para “revogar” a declaração de guerra? E, ao final do conflito, celebrada a paz, poderia o STF ou outro juiz revisar o ato do Presidente da República para anular a paz celebrada, ordenando que a guerra continuasse?

De fato, a situação é ridícula e somente em uma sátira poderíamos conviver com uma loucura dessas. No entanto, é exatamente o que está acontecendo em nosso país com essa questão da concessão de Graça, tratando como ato “executivo” ou de governo um ato que é do Chefe de Estado.

Muitas das ações judiciais propostas contra essa Graça concedida são pautadas em princípios da administração pública, que dizem respeito a atos de governo (do executivo), e não a atos de Estado.

Uma delas, segundo se noticiou, afirmava que a Graça concedida violaria a “impessoalidade” da Administração Pública.

Porém, como é evidente, a Graça é um instituto primordialmente pessoal. Havendo milhares de pessoas na mesma situação, o Chefe de Estado pode resolver conceder a Graça a apenas um.

Como se cobrar impessoalidade em um ato que, por sua própria natureza, implica em pessoalidade?

Não deveria ser necessário ter que falar isso a pessoas que vivenciam o Direito, mas, infelizmente, tornou-se necessário, visto que até a OAB entrou na onda de propor ações que revelam uma falta de conhecimento do Direito que beira o pueril.

“Graça” não se chama assim por acaso, mas advém de uma faculdade análoga à atuação Divina. Quando Deus concede Sua Graça, Ele resgata. E, bem sabemos, milagres não são democráticos nem possuem relação com esses vícios e gatilhos mentais que surgiram principalmente em tempos mais recentes.

Se nem da Graça Divina não podemos esperar “impessoalidade”, menos ainda podemos esperar do instituto jurídico humano, seu espelho imperfeito.

Não devemos nos esquecer de que o último Presidente, anterior ao atual, concedeu um indulto (extinção/comutação de pena mais amplo, não pontual como a Graça) polêmico, pois extinguia penas de condenados por crimes de corrupção, inclusive de alguns ligados ao caso do “Mensalão”.

Por isso é que não importa se, particularmente, julgamos que o ato do Presidente foi certo ou errado. Ele, nessa seara, é essencialmente jurídico, deve perseverar e não está sujeito ao controle judicial, sobretudo com fundamento nas irracionalidades jurídicas que estão acabando com o pouco que resta do Direito no país.

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Emmanuel Ramos de Castro
Amante da literatura, poesia, arte, música, filosofia, política, mitologia, filologia, astronomia e espiritualidade.

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