Entenda a decisão que proibiu a “desaposentação”
.O STF decidiu que não é possível se realizar a chamada “desaposentação”, que consiste em o aposentado que ainda trabalha e contribui com a Previdência Social pleitear a revisão de seu benefício, agregando a ele o montante que pagou ao INSS durante o período em que já estava aposentado e continuava a contribuir.
Parece algo bastante lógico para qualquer pessoa, não é mesmo? Se continuo a contribuir, por que não posso usufruir disso? Mas o sábio STF não vê dessa forma…
A maioria dos ministros entendeu que não se pode realizar a desaposentação por “falta de lei que a autorize”. Vamos analisar esse e outros argumentos bizarros expostos no julgamento.
O argumento da falta de lei é o mais notório porque todos os que votaram contra a desaposentação foram unânimes em dizer que isso dependeria da vontade do parlamento, ocasião em que, aí sim, poderia haver essa medida.
Só que não permitir a desaposentação é uma afronta ao Direito Tributário como um todo, já que estamos lidando com uma espécie tributária chamada de “contribuição”.
Em sentido técnico, uma “contribuição” possui um critério chamado referibilidade, que é a relação de pagamento e retorno que se precisa necessariamente ter para que a contribuição seja válida.
A título de exemplo, podemos citar a própria contribuição ao INSS. O pagamento dessa contribuição habilita ao contribuinte o direito à aposentadoria e benefícios correlatos, tais como auxílio doença, pensão por morte e outros, ou seja, às prestações da Previdência Social. Quem não paga a contribuição não tem direito a esses benefícios e quem paga o faz somente para isso.
O dinheiro pago pela contribuição, nesse sentido, tem destinação específica para os cofres da Seguridade Social, para cobrir as atividades de Previdência, Saúde e Assistência Social.
Mas, lembre-se, do ponto de vista do contribuinte, ele apenas paga pela Previdência, tendo em vista que a Saúde e a Assistência Social, de acordo com a Constituição, serão prestadas a todos e a quem precisar, independentemente de pagamento.
Dessa forma, se existe uma contribuição e ela não é destinada a nenhum fundo específico e o contribuinte não terá retorno em benefícios, essa contribuição é inválida e será considerada inconstitucional, por não possuir uma razão de ser. O STF, aliás, já disse isso com todas as letras por diversas vezes.
Por isso, já há mais de década, os aposentados que ainda trabalhavam entraram com processos buscando que não houvesse mais o desconto ao INSS de seus salários, pois não fazia sentido continuarem a contribuir com algo que não lhes traria nenhum benefício. E o que o STF fez?
Isso mesmo: manteve a contribuição argumentando que ela era devida em razão da realização do trabalho remunerado e que deveriam continuar pagamento mesmo sem ter retorno em razão do “Princípio da Solidariedade”, que está na Constituição.
Engraçado que eu nunca vi a argumentação de que o Estado deve ser solidário com o indivíduo. É sempre o contrário. Mas isso é assunto para outra hora.
Enfim, a tentativa da “desaposentação” foi uma reação a essa decisão bizarra do STF, com uma lógica muito evidente: se não posso deixar de pagar a contribuição, devo obter benefícios dela, como é natural de qualquer contribuição.
Mas o STF, mantendo a bizarrice, também negou esse direito aos aposentados, que, agora, têm o pior dos dois mundos: pagar sem reclamar, sem nada pleitear e somente esse direito lhes assiste – o direito de dar sem nada receber em troca.
É uma verdadeira humilhação para os aposentados, ainda mais em um país cercado pelos tributos extorsivos e pelo dinheiro público que vai pela lata do lixo.
Nota-se com muita tranquilidade que não é necessária nenhuma nova lei para a desaposentação. Basta que se aplique o Direito Tributário para fundamentá-la e que se realize novo cálculo da aposentadoria, conforme o Direito Previdenciário.
Mas não houve somente o argumento da “falta de lei”. Outros ainda mais esdrúxulos desfilaram pelo parlatório. De acordo com o publicado pelo próprio STF, Gilmar Mendes disse, por exemplo, que “se o segurado se aposenta precocemente e retorna ao mercado de trabalho por ato voluntário, não pode pretender a revisão do benefício, impondo um ônus ao sistema previdenciário”. Correto, não se deve impor “ônus ao sistema previdenciário”. Mas o dinheiro que o aposentado continua a dar para o INSS, um “bônus ao sistema previdenciário”, é muito bem vindo, não é mesmo?
Ele ainda especifica que o aposentado que contribui poderá ter os magníficos benefícios de “salário-família” e “reabilitação profissional”. Só que não é necessário possuir mais do que 4 neurônios para se perceber que essas duas modalidades estão claramente no campo da Assistência Social, e não da Previdência Social. O legislador precisou de coragem para escrever uma bobagem dessas, mas, para utilizá-la como fundamento para um voto, é algo admirável.
O Ministro Luiz Fux não deixou barato e também deu seu parecer, dizendo que aceitar a desaposentação seria desvirtuar a aposentadoria proporcional, pois permitiria que a pessoa se aposentasse e continuasse a trabalhar, prejudicando a vontade da lei.
Mais uma vez, nota-se que a pessoa que continua a trabalhar sempre parece ter objetivos nefastos de prejudicar a Previdência Social. Mas o seu dinheiro, como sempre, continua a ser muito bem vindo aos cofres do INSS.
100% das famílias brasileiras já devem ter testemunhado as dúvidas de um familiar que não sabe se deve se aposentar imediatamente e proporcionalmente ou aguarda o período para a aposentadoria integral. Diferentemente do que parece entender o Sr. Fux, o medo do trabalhador não é o de ter que continuar a trabalhar, mas o de a regra mudar no meio do jogo e ele precisar trabalhar por muitos anos a mais do que previa. E quantas vezes isso já não aconteceu? Quem confia na segurança jurídica do Brasil?
Vemos injustiças todos os dias e o STF cada vez mais escancara a posição de tribunal exclusivamente político e, em boa parte das vezes, antijurídico. Mas o que fizeram com os aposentados foi algo raras vezes visto.
Será que as pessoas aposentadas que continuam a trabalhar assim o fazem por gosto ou por necessidade?
A aposentadoria se tornou um sonho ridículo que o trabalhador é obrigado a comprar. Depois de aposentado, só lhe resta continuar a comprá-lo, mas sem ter sequer a chance de receber o mais sofrível dos produtos.
Não posso deixar de citar a opinião do advogado Rafael Rosset (26/10/2016):
“A Previdência Social do Brasil, que já era uma gigantesca Pirâmide de Ponzi, agora é oficialmente um esquema criminoso destinado a promover a apropriação indébita de 31% dos rendimentos de 6,5 milhões de velhinhos (1/3 de todos os aposentados) que continuam trabalhando após a aposentadoria pra sustentar suas famílias, e vão morrer sem ver a cor desse dinheiro.”
Enfim, o STF deixou claro, como dissemos acima, que os aposentados somente têm o direito de pagar sem reclamar, sem nada pleitear e somente esse direito lhes assiste – o direito de dar sem nada receber em troca. Mais uma extorsão.