Por Vitor Sorano
A Unimed Paulistana, que quebrou deixando na mão 740 mil beneficiários de planos de saúde, teve entre os seus fornecedores uma empresa que, segundo o Ministério Público Federal, é um negócio de fachada controlado por um doleiro preso na Operação Lava Jato.
À época, o executivo-chefe da operadora era um ex-funcionário da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que fazia o acompanhamento presencial das contabilidades da cooperativa .
A empresa é a SM Terraplenagem LTDA, que, segundo denúncia do Ministério Público Federal (MPF), foi usada pelo empresário Adir Assad para lavar dinheiro oriundo de desvios da Petrobras, por meio de contratos falsos de locação de equipamentos realizados entre 2010 e 2011. O advogado de Assad, condenado a 9 anos de prisão pelo juiz Sergio Moro, nega que ele seja responsável pela companhia.
Em 2010, a SM foi inscrita como fornecedora da Unimed Paulistana, segundo um documento a que o iG teve acesso, e recebeu adiantamentos num total de R$ 1,14 milhão em setembro daquele ano – R$ 1,62 milhão em valores atuais. Um mês depois, de acordo com uma fonte – ouvida sob condição de anonimato em razão do sigilo das informações – houve registro de devolução desses recursos.
O adiantamento à SM faz parte de um conjunto de operações realizadas entre março e outubro de 2010 e investigadas pela Polícia Civil do Estado de São Paulo por suspeita de lavagem de dinheiro. Juntas, elas somam R$ 15 milhões em valores da época , ou R$ 21,4 milhões atuais. O inquérito foi aberto em 2012 e ainda não foi concluído. Assim, ninguém foi indiciado por qualquer crime até o momento.
Advogado da diretoria-executiva da Unimed Paulistana à época das operações investigadas, Luiz Eduardo Greenhalgh diz desconhecer os contratos, mas alega que a denúncia foi feita por um adversário político de seus clientes. O autor fez parte da diretoria anterior da Paulistana, que foi afastada por decisão da ANS.
“Os três [ex-diretores citados na denúncia] foram ouvidos, não estão indiciados e nem estão sendo processados. Deram todas as explicações”, afirma Greenhalgh. “Considero que foram satisfeitas as exigências feitas pela polícia. Mas isso depende da análise da polícia.”
A nova diretoria da Unimed Paulistana, que assumiu em 2015, afirma não ter sido ouvida nas investigações e que está levantando os pagamentos feitos aos fornecedores alvo da denúncia. O advogado da dona da SM Terraplanagem não retornou o contato feito pela reportagem e a ANS alega que o acompanhamento das contas não inclui análise de despesas específicas.
Acompanhamento da ANS
Além do R$ 1,14 milhão, a polícia investiga o pagamento de R$ 9 milhões (R$ 12,8 milhões hoje) ao escritório M Souza Advogados Associados pelo trabalho de obtenção de certidões de regularidade de tributos federais; R$ 1,8 milhão (R$ 2,6 milhões) à GO Computer LTDA e R$ 4,5 milhões (R$ 6,4 milhões) à Muca Assessoria e Promoções.
As operações ocorreram durante a gestão dos médicos Paulo José Leme de Barros, Valedemir Gonçalves da Silva e David Serson, que assumiram o comando da Unimed Paulistana em 2009.
Barros, Silva e Serson se tornaram os diretores da Paulistana após a ANS determinar o afastamento da diretoria anterior – da qual fazia parte o autor da denúncia – por impor dificuldades ao acompanhamento presencial das contas por parte da agência reguladora. Esse acompanhamento, chamado de direção fiscal, é implementado quando uma operadora está com problemas financeiros.
A direção fiscal na Unimed Paulistana – a primeira de três que seriam implementadas – teve início em 2009 e teve fim determinado pela ANS em 18 de março de 2011, um dia antes da eleição que daria um novo mandato a Barros, Silva e Serson. O despacho foi publicado no Diário Oficial da União em 21 de março de 2011.
Uma norma da ANS vigente na época (a Resolução Normativa 11/2002) afirmava que os candidatos a administrar operadoras de saúde não poderiam “ter participado da administração de empresa que esteja em direção fiscal”. Para a agência, entretanto, essa vedação não se aplica a casos de “continuidade ou recondução na mesma operadora” – como era a situação na Paulistana. Em 2012, a norma foi mudada para incluir essa ressalva.
Perguntada se havia sido comunicada das operações investigadas ocorridas durante a direção fiscal, a ANS argumentou que, por regra, as irregularidades eventualmente encontradas são encaminhadas para a comissão de inquérito da agência e para o Ministério Público Federal.
“Dessa forma, não é competência legal da ANS e sim das autoridades policiais e do Ministério Público proceder às devidas investigações”, informou. “Reforçamos mais uma vez que o diretor fiscal não possui poderes de gestão. Não reporta despesas específicas nem faz análise das mesmas, atividades essas exclusivas dos administradores. O diretor fiscal trabalha com a contabilidade da empresa e com os projetos de recuperação para a empresa.”
Paulo José Leme de Barros e Valdemir Gonçalves da Silva, respectivamente presidente e diretor-financeiro da Paulistana à época dos fatos, foram procurados mas não se manifestaram até a conclusão desta reportagem. O então diretor-secretário, David Serson, negou qualquer relação com doleiros.
“Não conheço doleiro, nunca fiz negócio com doleiro, nunca trabalhei com dólares.”
O advogado do dono da Muca, Bruno Alvarange, afirma que os R$ 4,5 milhões foram pagos por um contrato de dois anos de patrocínio para uma equipe de corrida. O advogado responsável pelo escritório M Souza – que, segundo a atual administração da Paulistana, presta serviços de recuperação tributária à operadora até hoje – não respondeu aos contatos feitos pela reportagem.
O iG não conseguiu falar com representantes da GO Computers. No endereço indicado pela empresa em seus registros oficiais, a informação é que ela não funciona lá. O advogado da dona da SM Terraplenagem não respondeu ao contato.
Executivo-chefe foi gerente da ANS
O executivo-chefe da Unimed Paulistana à época dos negócios investigados era Maurício Rocha Neves. Entre fevereiro e abril de 2007, Neves foi gerente-geral na diretoria da ANS responsável pelos regimes de direção fiscal. Depois, em 2009, integrou o conselho da Transenergia, uma empresa que tinha como acionista a Delta Construções, também acusada de usar a SM Terraplanagem, de Assad, para lavar dinheiro.
O ex-CEO afirma que a experiência na ANS foi um, mas não o único dos fatores que pesaram em sua indicação e aceitação para a Paulistana, e que seu cargo não lhe permitia autorizar pagamentos sem anuência ou aprovação prévia da diretoria estatutária da Unimed Paulistana.
“Por exigência minha eu não era diretor estatutário e, portanto, não possuia poder algum para aprovar pagamentos ou para assinar em nome da Unimed Paulistana”, diz Neves, em entrevista por e-mail. “Portanto, nenhum pagamento pode ter sido autorizado por mim sem a anuência ou mesmo a aprovação prévia da Diretoria Estatutária que, tecnicamente, é quem assina em nome da empresa.”
Neves também destaca que, durante sua gestão, o regime de direção fiscal foi suspenso em tempo recorde (16 meses), a empresa negociou e contabilizou tributos que não haviam sido registrados, recebeu diversos prêmios e realizou as assembleias gerais “sistematicamente sem problemas.”