A relativização da carência nos contratos de planos de saúde

agenciaweber

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No último artigo falamos sobre algo que o Direito chama de "relativização", que é, talvez dizendo grosseiramente, uma imposição de exceção a uma regra, um ponto fora da curva que deveria ser colocado para fazer justiça, embora nem sempre assim aconteça.

Chegou a hora de aplicarmos isso aos contratos de planos de saúde, observando um caso prático.

Recentemente o Tribunal de Justiça de Santa Catarina julgou caso em que um homem ingressou em um contrato coletivo de saúde, provavelmente oferecido pela empresa empregadora.

Oito dias após a assinatura do contrato, o homem sofreu embolia pulmonar, cujo tratamento foi negado pelo plano, sob o argumento de que havia carência no contrato e que ele somente faria cobertura a partir do mês seguinte ao da assinatura.

O homem processou o plano e alegou, em síntese, que não foi cientificado do início da vigência do contrato e que não tinha ciência da preexistência desta doença ou de doença que desencadearia o quadro.

Como resultado, o plano de saúde foi condenado a pagar, entre danos morais e materiais, quase R$ 25 mil ao homem.

No julgamento, o desembargador relator do caso justificou a condenação do plano em razão de não ter cientificado de maneira inequívoca o homem que sofreu a enfermidade, enquanto que como o plano não havia pedido exames complementares para a assinatura do contrato, não poderia exigir que o usuário tivesse ciência dessa sua condição de saúde.

Essa decisão nos desperta pelo menos quatro observações curiosas, todas baseadas em temas que já repetimos muitas vezes.

1) Podemos dizer que não se trata, propriamente, de um caso de relativização do contrato, como falou o Tribunal, pois não se apontou, de fato, a imposição de exceções a uma regra geral conhecida, mas apenas falhas na observação do Direito do Consumidor por parte do plano de saúde.

2) A condenação claramente decorre da não observação do dever de informação que é inerente aos contrato de consumo ou, pelo menos, da não comprovação por parte do plano de que  realmente informou ao consumidor a respeito de informações fundamentais do contrato.

3) Como é sabido, de acordo com a legislação sobre o tema, o plano somente não é obrigado a tratar de doença pré existente caso o usuário tenha conhecimento dela e a oculte, em uma espécie de fraude. Se o paciente apenas desconhecia a existência da enfermidade, isso não é motivo jurídico suficiente para o plano negar-lhe cobertura. Isso também decorreria da visão do Código de Defesa do Consumidor, da boa-fé contratual e do dever que caberia ao plano em dizer que o usuário está mentindo.

4) Todo esse caso poderia ser evitado facilmente com a implantação de um sistema de compliance que abrigasse também a parte de relacionamento com o consumidor nesse aspecto, especialmente nos contratos coletivos, em que, na maior parte dos casos, quem toma a frente da conversa com o plano é a empresa empregadora, sendo que os empregados que participam dos planos coletivos possuem uma condição mais distante, quase que como meros anuentes, embora sejam destinatários finais do contrato desde o princípio.

As maiores barreiras que as empresas costumam colocar à implantação de bons programas de compliance e padronização de condutas são os seus custos supostamente altos. Mas e os danos que pode evitar? Em apenas um caso, como se viu, por uma série de descuidos simples, o plano de saúde teve uma perda de R$ 25 mil. São mais de 400 mil processos em curso, muitos idênticos a este. Vale a pena?

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Emmanuel Ramos de Castro
Amante da literatura, poesia, arte, música, filosofia, política, mitologia, filologia, astronomia e espiritualidade.

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