Por Bruno Barchi Muniz | LBM Advogados
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma medida importante que permite a realização de inventários, partilhas de bens e divórcios consensuais em cartórios, mesmo quando envolvem herdeiros e outros interessados menores de 18 anos ou incapazes.
Com essa mudança, a necessidade de homologação judicial foi eliminada, tornando o processo mais ágil e menos burocrático e custoso. Agora, a única condição é que haja consenso entre todos os herdeiros, o que simplifica bastante a tramitação dos atos.
No caso de herdeiros menores ou incapazes, a nova regra exige que a parte que lhes cabe em cada bem seja devidamente determinada e garantida.
Outra inovação importante é que, sempre que houver herdeiros menores ou incapazes, a escritura pública de inventário deverá ser enviada ao Ministério Público (MP). Se o MP identificar alguma inconformidade na divisão ou se terceiros impugnarem o documento, o caso deverá ser submetido à apreciação judicial.
Nos casos de divórcio consensual extrajudicial em que o casal possua filhos menores ou incapazes, as questões relacionadas à guarda, visitação e pensão alimentícia deverão ser previamente resolvidas no Judiciário.
Essa flexibilização dos procedimentos propor ajudar a aliviar o Poder Judiciário, que atualmente enfrenta uma sobrecarga com mais de 80 milhões de processos em andamento. A norma aprovada modifica a Resolução CNJ 35/2007, visando trazer mais celeridade e eficiência à resolução desses casos.
Em resumo, essa nova medida representa um avanço significativo, proporcionando maior agilidade e facilidade na resolução de inventários, partilhas e divórcios consensuais.
No entanto, cabem algumas observações.
Olhando, em primeiro lugar, do ponto de vista prático, quanto à questão do inventário, parece que a solução é razoável. Feito um levantamento do valor do patrimônio transmitido pelo falecimento, há tendência de que a divisão em parcelas iguais ou, pelo menos, na forma como deve por lei ser atribuído aos herdeiros necessários, tenda a estabilizar as relações.
Haverá, porém, exceções importantes, como, por exemplo, no caso de o falecido deixar terrenos em diversos bairros de uma mesma cidade, ou se deixar pontos comerciais e residenciais. Como se fará uma divisão mais adequada ao interesse do menor, considerando o valor atual, projeção de valor futuro e até a capacidade dele em gerir a herança, administrar aluguéis etc.?
Não se ignora que é certo que ele estará representado por alguém capaz por ocasião da realização da escritura de inventário e que o Ministério Público também analisará o documento, mas nos parece improvável que o promotor tenha condições de opinar com assertividade sobre essas questões de mercado, sobretudo em cidades em que há alta rotatividade dessas autoridades.
É claro que se estaria sujeito a situação análoga em caso de inventário judicial, mas ali o arcabouço probatório e possibilidade de contraditório seriam muito mais evidentes do que em um inventário extrajudicial.
E, considerando que a prescrição não corre contra os incapazes (art. 198, I, do Código Civil), nos parece que haverá um risco considerável de não estabilização da situação jurídica dos envolvidos em um inventário desse tipo, podendo gerar alegações de nulidade anos ou até mesmo décadas depois da realização do inventário.
Já em relação à possibilidade de divórcio consensual extrajudicial, entendemos que é uma disposição natimorta.
Conforme acima descrito, será exigido, antes do divórcio de casal que tenha filhos menores de idade ou incapazes, solução judicial quanto à guarda, visitação e alimentos.
Ora, se será necessário realizar esse processo judicial antes do divórcio, nele próprio se pode pedir a decretação do divórcio, sendo que a mesma sentença que estabelecer todos aqueles pontos apenas incluirá um ou dois parágrafos a mais para tratar do divórcio. Não nos parece fazer nenhum sentido um divórcio extrajudicial em uma situação assim.
Em verdade, é justamente nesse caso, em que vemos maiores travas, é que entendemos que uma solução extrajudicial em cartório poderia e deveria ser mais ampla.
Ora, a determinação dos rumos familiares cabe aos pais. Se há acordo e consenso em relação à guarda e visita, devidamente indicadas em cartório, por que seria necessário procedimento judicial?
Em relação aos alimentos, idem. O regime geral do Direito Brasileiro, hoje, é o da guarda compartilhada, que pressupõe que os gastos dos filhos deverão ser deliberados por ambos os pais, mesmo separados, e arcados, a princípio, com paridade, mesmo havendo, em regra, pagamento de valor maior à administração daquele pai cuja casa o filho reside.
Se há acordo em relação a isso, por que não permitir o deslinde da questão em cartório mesmo, privilegiando a autonomia familiar?
Lembra-se, ainda, que a questão de guarda, visitas e alimentos pode ser objeto de revisão a qualquer tempo, se alteradas as situações fáticas da época em que ficaram estabelecidas.
Enfim, autorizou-se a tornar definitiva a questão do inventário e partilha, que entendemos mais passível de dar problemas, e vetou-se a parte essencialmente temporária, relativa a guarda, visitas e alimentos, potencialmente menos problemática, passível de revisão e que poderia abreviar os frequentemente traumáticos processos do gênero.
Bruno Barchi Muniz – é advogado, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos, Pós-Graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD), membro da Associação dos Advogados de São Paulo. É sócio-fundador do escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados – www.lbmadvogados.com.br, e escreve para o Blog do Corretor sempre às sextas-feiras.