Intolerância e ódio são “novas doenças tropicais” .
por Tereza Cruvinel
.A cada semana alguns fatos borram a imagem do pais tropical, bonito por natureza e habitado por um povo cordial, que se miscigenou livremente e sempre se pautou pela tolerância para com a diferença, seja de credo, raça ou convicção política. Os surtos autoritários de elites minoritárias só confirmavam o que na maioria era traço do caráter nacional.
No inventário dos últimos dias, começo por esta desastrada viagem de senadores brasileiros à Venezuela. Por mais solidariedade que mereçam por terem enfrentado hostilidades que os impediram de alcançar o objetivo político a que se propuseram, visitar um preso político local, não se pode deixar de dizer que violaram um paradigma de nossa relação com os outros povos: o princípio da não-ingerência que embasou uma forte tradição diplomática. Imaginemos alguns senadores americanos chegando aqui, sem prévio aviso às autoridades, para uma missão semelhante. A caravana da oposição poderiam ter ido a Caracas mas não como franco-salvadores da pátria alheia. Mas como são da oposição, quiseram desembarcar nesta condição. Lã fora não existe esta distinção. Protagonizaram um ?mico diplomático?. embora ganhando munição interna para a guerrilha ininterrupta contra o governo Dilma.
Abro o computador e vejo uma foto estarrecedora. ?Jô Soares, morra?, diz a enorme pichação no asfalto, defronte à casa do apresentador, humorista, jornalista. Só o ódio disseminado justifica tal agressão a ma figura como Jô, unicamente pelo fato de ter feito uma entrevista civilizada com a presidente da República. Nos idos de 2005 participei do quadro por ele então criado em seu programa, o Meninas do Jô, Três ou quatro programas depois entendemos, bilateralmente, que não havia lugar para mim naquelas seções de sectarismo, anti-petismo e demonização da política, com a ressalva de que Cristiana Lobo foi quem sempre manteve ali a compostura jornalística. Muitos me agrediram na blogosfera, dizendo fui ?tirada? do programa porque era lulista, petista, esquerdista e tal. Lembrei-me disso ao perceber que Jô deu-se conta dos efeitos do veneno ministrado ao longo dos últimos anos ao povo brasileiro. Veneno que o atinge agora, quando ele comete o crime de se portar como um entrevistador civilizado. Para perguntar não precisa agredir, foi o que ele ensinou.
Vejo outra foto. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, recebe a menina que levou uma pedrada porque vestia roupas brancas do candomblé, religião de sua família, na qual estava sendo iniciada. Ouvi a mãe dela contar no rádio que os agressores brandiam bíblias e as chamavam de macumbeiras. A menina foi ao IML e ali também foi apupada. Onde estamos?
O que diria Darcy Ribeiro, que escreveu um livro magistral, O Povo Brasileiro, louvando aquilo que não somos mais? O que diria Stefan Zweig. que se encantou com o Brasil e o chamou país do futuro apostando exatamente na natureza de seu povo para transformar nossas riquezas e potenciais em uma grande oportunidade civilizatória? Aqui sempre conviveram todas as religiões, havendo espaço também para a não-religião. Mas agora a intolerância religiosa chegou para valer e nesta marcha, florescerá a violência religiosa. O Líbano era belo e livre, até que a intolerância religiosa o devorou.
Bem, melhor não abrir alguns blogs nem as páginas de comentários, onde o ódio rola solto na Internet, ferramenta que deveria aproximar e está servindo para dividir.
Ligo o rádio e ouço discursos intrépidos na Câmara, pontuados de palavras ásperas.
Melhor encerrar uma semana destas no interior de Minas, protegida pelas montanhas e pela simplicidade pacífica que ainda resta por lá. Ou não restará?