Os “novos pobres” vistos por elles

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O plano cobre

. por, Silvia Pilz

.Todo pobre tem problema de pressão. Seja real ou imaginário. É uma coisa impressionante. E todos têm fascinação por aferir [verificar] a pressão constantemente. Pobre desmaia em velório, tem queda ou pico de pressão. Em churrascos, não. Atualmente, com as facilidades que os planos de saúde oferecem, fazer exames tornou-se um programa sofisticado. Hemograma completo, chapa do pulmão, ressonância magnética e etc. Acontece que o pobre – normalmente – alega que se não tomar café da manhã tem queda de pressão.

Como o hemograma completo exige jejum de 8 ou 12 horas, o pobre, sempre bem arrumado, chega bem cedo no laboratório, pega sua senha, já suando de emoção [uma mistura de medo e prazer, como se estivesse entrando pela primeira vez em um avião] e fica obcecado pelo lanchinho que o laboratório oferece gratuitamente depois da coleta. Deve ser o ambiente. Piso brilhante de porcelanato, ar condicionado, TV ligada na Globo, pessoas uniformizadas. O pobre provavelmente se sente em um cenário de novela.

Normalmente, se arruma para ir a consultas médicas e aos laboratórios. É comum ver crianças e bebês com laçarotes enormes na cabeça e tênis da GAP sentados no colo de suas mães de cabelos lisos [porque atualmente, no Brasil, não existem mais pessoas de cabelos cacheados] e barriga marcada na camiseta agarrada. O pobre quer ter uma doença. Problema na tireoide, por exemplo, está na moda. É quase chique. Outro dia assisti um programa da Globo, chamado Bem-Estar. Interessantíssimo. Parece um programa infantil. A apresentadora cola coisas em um painel, separando o que faz bem e o que faz mal dependendo do caso que esteja sendo discutido. O caso normalmente é a dúvida de algum pobre. Coisas do tipo "tenho cisto no ovário e quero saber se posso engravidar". Porque a grande preocupação do pobre é procriar. O programa é educativo, chega a ser divertido.

Voltando ao exame de sangue, vale lembrar que todo pobre fica tonto depois de tirar o sangue. Evita trabalhar naquele dia. Faz drama, fica de cama.

Eu acho que o sonho de muitos pobres é ter nódulos. O avanço da medicina – que me amedronta a cada dia porque eu não quero viver 120 anos – conquistou o coração dos financeiramente prejudicados. É uma espécie de glamourização da doença. Faz o exame, espera o resultado, reza para que o nódulo não seja cancerígeno. Conta para a família inteira, mostra a cicatriz da cirurgia.

Acho que não conheço nenhuma empregada doméstica que esteja sempre com atacada da ciática [leia-se nervo ciático inflamado]. Ah! Eles também têm colesterol [leia-se colesterol alto] e alegam "estar com o sistema nervoso" quando o médico se atreve a dizer que o problema pode ser emocional.

O que me fascina é que o interesse deles é o diagnóstico.

O tratamento é secundário, apesar deles também apresentarem certo fascínio pelos genéricos.

Mesmo "com colesterol" continuam comendo pastel de camarão com catupiry [não existe um pobre na face da terra que não seja fascinado por camarão] e, no final de semana, todo mundo enche a cara no churrasco ao som de "deixar a vida me levar, vida leva eu" debaixo de um calor de 48 graus.

Pressão: 12 por 8

Como são felizes. Babo de inveja.

COMENTÁRIO DO BLOG
O texto da jornalista Silvia Pilz teve péssima repercussão junto à sociedade civil organizada e assim ela perdeu o seu espaço no jornal O Globo onde maninha um blog. "O post 'O plano cobre', em que satirizo o deslumbramento e o comportamento do pobre ? nova classe média ? diante das oportunidades oferecidas pelos planos de saúde, desencadeou uma onda de reprovação inesperada. A situação tornou-se tragicômica e insustentável para a imagem do jornal O Globo", diz Silvia Pilz, ao explicar o fechamento do seu blog. Perplexa, a jornalista de O Globo afirma que" … foi uma onda de reprovação inesperada". Só pode ser petralha, essa moça(!)

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Emmanuel Ramos de Castro
Amante da literatura, poesia, arte, música, filosofia, política, mitologia, filologia, astronomia e espiritualidade.

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