Se há um ditado popular que parece ter expressão universal, é esse: "quem muito quer, nada tem". Não consigo imaginar uma situação em que não se aplique.
Para o guloso – e não estou falando apenas do exagero alimentar – mesmo tendo muito, sempre faltará algo. A sensação de falta o fará sofrer.
Para o ingrato – em qualquer âmbito – o maior valor está depositado não no que tem, mas no que não tem. A sensação de falta o fará sofrer.
Mas não é só a sensação de falta que existe. Às vezes a perseguição aos "tesouros" acaba consumindo tudo o que a pessoa tem. E o tal tesouro nunca vem.
Para aquele que anseia o poder é rigorosamente a mesma coisa. Ele deposita maior desejo naquele que o outro tem, ao invés de bem usar o que possui. E isso vale também para o Estado, seu poder de imposição, repartição de poderes e disputa entre entidades.
Já falamos várias vezes e o último artigo, intitulado "Planos de saúde um pouco mais distantes da esquizofrenia tributária", novamente repisa esse assunto: as recentes mudanças na legislação nacional do ISSQN (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) criou um pandemônio para os setores de planos de saúde e de serviços bancários, ao alterar o local de recolhimento do tributo do local da sede do prestador – como sempre fora antes – para a sede do tomador do serviço.
No anseio de fazer cortesia com o chapéu alheio e forçar esses setores a observar milhares de normas diferentes, gerando um custo adicional em obrigações acessórias inestimável, o Executivo e Legislativo Federais acabaram por criar normas ruins, incompletas e frágeis.
A bem da verdade, como disse no artigo anterior, a legislação ficou tão mal feita que é difícil descrever como existente o ISSQN para esses dois setores neste momento. Mas o nosso raciocínio coletivo, já esmagado pela força do poder estatal (o Leviatã, de Thomas Hobbes), nos impede e impede também ao Judiciário de visualizar essa verdade, que soaria, hoje, como um absurdo.
Por isso, em decisão liminar, o STF, através do relator do caso, Alexandre de Moraes, deu uma "acochambrada" na nova legislação e determinou o recolhimento do modo como anteriormente era previsto. É um "jeitinho" mesmo, só para poder manter a arrecadação, com o STF legislando mais uma vez. Mas, diante das circunstâncias e do espírito do nosso tempo, não dá para reclamar.
Só que apesar de estancado um problema sério neste momento, um novo surgiu: essa decisão liminar é, por sua natureza, provisória e, em algum momento no futuro, certamente daqui vários anos, talvez décadas, o STF decidirá a qual município cabe o ISSQN e a forma de arrecadação, bem como as obrigações acessórias.
Muito provavelmente essa decisão não contemplará o município que hoje, em virtude da liminar, deve receber o ISSQN.
Logo, pela decisão o contribuinte deve pagar a um município, para não ser devedor do tributo e, daqui sabe-se lá quanto tempo, estará devendo o mesmo tributo e o mesmo valor, acrescido de juros e correção monetária, para outro município.
Terá, então, que pagar duas vezes o tributo, uma vez para cada município. Para aquele a quem pagou errado, é claro que terá o direito de receber de volta o pagamento, mas através de precatório municipal. Super fácil, não?
Por isso, a alternativa inteligente a que estão recorrendo as empresas é realizar o depósito em juízo das parcelas do ISSQN. Pelo Código Tributário Nacional, o depósito em juízo equivale ao pagamento, não sendo possível cobrar do contribuinte o valor em si, juros e correção monetária, salvo se o pagamento for em valor menor ao que seria devido.
Com isso, o contribuinte se resguarda, mas o Estado não recebe efetivamente o dinheiro fruto da arrecadação do ISSQN ao longo de todo esse tempo, ficando este guardado à disposição da Justiça até que se tenha uma decisão sobre a destinação.
Na ânsia de repartir um valor, acabou-se por tirar de circulação efetiva uma grande soma de dinheiro. E isso foi tirado de absolutamente todos os municípios.
Mais uma vez, de tanto querer, nada tiveram.