Parte 1: A má nostalgia
Por Bruno Barchi Muniz | LBM Advogados
Começo esse texto já com dúvidas sobre a correção do título: foram os super heróis quem destruíram o mundo ou eles são o fruto de um mundo já destruído?
O tema dessa série de artigos é a verdadeira perplexidade sobre como o cinema, a sétima arte, realmente acabou com o mundo (ou se tornou um sintoma de um mundo que já acabou).
E já que estamos tratando de cinema, proponho separar o texto em uma “trilogia”, para que o leitor acompanhe ao longo de três semanas.
Vamos ao que interessa: há quanto tempo você, adulto, não vê um filme novo realmente bom? Com “bom” quero dizer: que possui verdadeira arte. Aliás, você se lembra de como é isso?
Sim, porque hoje temos apenas uma divisão entre aqueles filmes meio blasé, feitos para o “underground” que quer parecer culto (embora sejam sempre filmes totalmente subjetivos, contrastando com a objetividade inerente à arte e à própria cultura) e, no outro oposto, temos os blockbusters, os grandes lançamentos comerciais para serem vistos pelas multidões.
E como são esses filmes hoje em dia?
De pelo menos uma década até aqui só existem duas categorias de filmes comerciais: ou são reciclagens de histórias antigas da infância da atual geração ou são filmes de super heróis, que podemos dizer serem também reciclagens específicas de histórias antigas da infância da atual geração.
Algumas semanas atrás houve o vazamento de um trailer do próximo filme do Homem Aranha, que sugere que teremos na mesma produção todos os atores que já viveram o personagem nos últimos 20 anos, além de todos os vilões que apareceram durante esse período. Não se sabe se isso de fato ocorrerá, mas a expectativa do público é enorme.
O simples fato de alguém cogitar fazer um filme assim – e o público já aparenta ansiedade pela “obra prima” – demonstra que esse lado do mundo já está completamente arruinado.
Salvo raríssimas exceções – de pronto consigo apenas pensar na excelente trilogia Batman, de Christopher Nolan, – as histórias de super heróis, inclusive todas recentes da famosa franquia Marvel, são extremamente rasas e cujo público deveria ser apenas de crianças e, quando muito, pré-adolescentes.
Porém, se alguém lança um filme com reunião de atores que passaram pelos papéis do filme ao longo de 20 anos, está claro que o público alvo é de adultos, não de crianças.
Na verdade, o público alvo é composto especificamente por aqueles que eram crianças 20 anos atrás. Aqueles que assistiram aos primeiros filmes do Homem Aranha aos 10 anos e, agora, aos 30, anseiam por rever suas mesmas histórias infantis. Isso não parece esquisito?
É bom deixar claro que, até certo ponto, todos nós temos alguma tendência a resgatar e tratar aspectos do passado como uma “belle époque”. Basta ver que um Gol GTI 1994 (aquele quadrado) em bom estado hoje vale mais de R$ 150 mil.
Isso acontece justamente porque o jovem daquela época que sonhava com esse carro, mas não podia tê-lo. Hoje os que têm dinheiro podem realizar sonhos de juventude e isso não constitui, a princípio, um comportamento preocupante nem anormal, afinal, ainda é algo de uma pessoa madura e pode ser perfeitamente compartimentado em uma personalidade.
Não há problema em se repetir comportamentos ou resgatar conteúdo. O problema está na qualidade desse conteúdo e no impacto que ele tem sobre a vida da pessoa.
Está certo que Otto Maria Carpeaux não é parâmetro, por ter sido um dos homens mais cultos de todos os tempos, mas ele lia A Divina Comédia, de Dante, pelo menos uma vez por ano, pois esse tipo de história, uma narrativa iniciática, simplesmente não esgota seu conteúdo, havendo sempre o que se extrair de uma nova leitura.
Também não há nenhum problema em resgatar memórias do passado, nostalgia ou qualquer coisa do tipo. O problema é como isso é tratado pelas pessoas.
O assunto principal do meu descontentamento talvez seja o casamento perfeito entre a falta de imaginação e conteúdo dos roteiristas e a falta de interesse dos espectadores em qualquer coisa fora do retorno à infância.
O público cada vez mais parece apenas querer reavivar suas antigas memórias, como se lhes bastasse simplesmente buscar o aconchego juvenil. A busca por valores verdadeiramente superiores, objetivo último da arte, soa até mesmo absurdo tanto para roteiristas quanto para o público, que talvez sejam até incapazes de buscá-los ou reconhecê-los.
Termino essa primeira parte convidando o leitor à reflexão: sobre os filmes que você tem assistido, por que os tem assistido?