Muito embora o termo seja relativamente novo, a prática, até então velada, deste tipo de violência física e/ou psicológica contra a mulher gestante e parturiente, data de longos e longos anos marcados pela cultural submissão feminina, pela impunidade dos profissionais da área da saúde e pelo silêncio das violentadas.
Esclarecendo, trata-se de vários tipos de situações de submissão física e psicológica que ocorrem desde a gestação até o pós parto, incluindo o abortamento e caracteriza-se pela apropriação do corpo e dos processos reprodutivos da mulher pelos profissionais da saúde em razão de tratamento desumanizado, abuso de medicamentos, patologização de procedimentos naturais que acarretam na perda de autonomia e da capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade e que, geralmente, terminam por impactar negativa e seriamente sobre a qualidade de vida das mulheres.
Certo é que a violência obstétrica abrange situações que vão desde privar a gestante/parturiente de receber orientações e informações durante a gestação, inclusive sobre a possibilidade da realização da laqueadura das trompas caso ela seja maior de vinte e cinco anos e já tenha dois filhos, negar, negligenciar ou dificultar o atendimento, inclusive pré-natal, realizar constantes exames físicos e de toque desnecessários durante a gestação, fazer comentários jocosos, constrangedores, ofensivos ou discriminatórios em razão de raça, cor, etnia, credo, condição social, orientação sexual, idade, escolaridade, compleição física da mãe ou do bebê e número de filhos, oferecer tratamento preconceituoso, acusatório, de ameaça, de culpabilização ou de coação e/ou praticar maus tratos físicos em razão do abortamento, ainda que não espontâneo, submeter a gestante a sentimentos de inferioridade, vulnerabilidade, abandono, medo, instabilidade emocional, insegurança, dissuasão, ludibriamento, alienação, perda de integridade, dignidade ou prestígio, induzir ao uso de medicamentos ou complementos alimentares sem necessidade, obrigá-la a peregrinar em busca de atendimento médico e/ou leito hospitalar, deixá-la sozinha, sem acompanhante, inclusive durante o parto, incomunicável, sem assistência, em jejum prolongado ou sem hidratação, fazer uso de anestesia e medicamentos indutores do parto que possam causar dores (em qualquer grau) ou danos físicos sem a comprovada necessidade, ciência e concordância da parturiente, obrigar a imobilização de pernas e braços durante o trabalho de parto, impedi-la de decidir sobre seu próprio corpo, de opinar e escolher, assistida pelo médico, sobre os procedimentos a serem realizados, obrigá-la a submeter-se à realização de episiotomia (corte feito na vagina para “facilitar” a passagem do bebê durante o parto) ou de uma cesariana sem a necessária indicação clínica, utilizar fórceps sem necessidade clínica e a concordância materna, impedir ou retardar desnecessariamente o contato com o bebê logo após o parto, impedir, por mera conveniência da instituição hospitalar o alojamento conjunto de mãe e filho levando o bebê para o berçário sem necessidade médica e impedir ou dificultar o aleitamento materno logo na primeira hora de vida, entre outras tantas.
Atualmente, segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo, uma entre quatro brasileiras é submetida à violência obstétrica, números alarmantes e que podem não refletir a realidade, já que muitas mulheres, por falta de informação, não entendem terem sido violentadas, aceitando a vitimização como algo natural que supostamente faria parte do processo gestacional.
É necessário divulgar, informar, instruir e conscientizar a mulher brasileira já que em países como Venezuela e Argentina, a violência obstétrica é reconhecida como crime e, como tal, deve ser ampla e severamente prevenido, punido e erradicado de qualquer sociedade, mas para que a situação mude, é necessário que a mulher compreenda que foi violentada e denuncie, sem medo, o agressor junto à ouvidoria dos hospitais, conselhos regionais de medicina, pelo site http://www.caixapretadasaude.org.br, delegacias de polícia e, finalmente, perante a Justiça.
No Brasil, com exceção da cidade de Diadema no estado de São Paulo, onde foi aprovado o Projeto de Lei nº 077/2013 de autoria do Vereador João Gomes , não há legislação específica sobre o assunto. Contudo, o sistema legal vigente permite, sem sobra de dúvidas, que os culpados sejam criminal e civilmente responsabilizados pelo exercício de tão grave violência contra a já tão socialmente discriminada mulher.
Diante da ampliação e divulgação de informações sobre o assunto é crescente número de denúncias e formação de grupos de apoio às violentadas. No Estado de São Paulo, este é um dos importantes assuntos que fazem parte da pauta de trabalho dirigido à mulher da recém criada, ASAS – Associação das Advogadas, Estagiárias e Acadêmicas de Direito do Estado de São Paulo, que também dá especial atenção à forma e horário de atendimento das DDMs (Delegacias da Mulher), visando dar maior visibilidade às ocorrências notificadas, bem como à solução que é dada ao caso.
O importante então é que cada mulher que sinta-se violentada, busque auxílio, informação e a reparação dos danos sofridos, ainda que trate-se somente de danos morais. Já não é sem tempo que cada uma merece ser ouvida e tratada como cidadã! Não se cale mais diante da violência! Dê um basta!
MARIA VALÉRIA MIELOTTI CARAFIZI é advogada inscrita na OAB/SP sob o nº 137.597, Conselheira Fundadora da ASAS – Associação das Advogadas, Estagiárias e Acadêmicas de Direito do Estado de São Paulo e Sócia Fundadora da Mariz de Oliveira & Mielotti Carafizi Sociedade de Advogados e escreve no Blog do Corretor, sempre na terceira terça-feiras de cada mês.