A alegria, tristeza e esperança

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Por Bruno Barchi Muniz | LBM Advogados

O difícil ano de 2021 está eclipsando, mas não sem antes nos dar a oportunidade de celebrar mais um Natal.

E as tribulações do período me fizeram pensar em um outro ciclo histórico constante: o do Rosário.

Para quem não é católico ou, o sendo, não se lembra, a tradição ensina a diariamente rezá-lo para se meditar sobre alguns aspectos da vida de Jesus (Mistérios), contemplados em três Terços, formando a unidade do Rosário, sendo cada Terço em um dia da semana.

O Natal, o nascimento de Jesus, faz parte do que se reza aos sábados e às segundas-feiras, estando contido dentro dos “Mistérios da Alegria”, que começam com o anúncio do Anjo Gabriel a Maria e a concepção de Jesus; vão para a visitação de Maria a Isabel, sua prima, que estava grávida de João Batista; daí, para o nascimento de Jesus; passa-se, após, para a apresentação do recém-nascido Jesus no Templo, onde ocorre a famosa profecia de Simeão; e se conclui com a meditação da perda e do reencontro de Jesus, já adolescente, no Templo de Jerusalém.

Passados todos esses momentos de reflexão, volta-se ao início do Terço, completando-se o ciclo, como fazemos durante todo o ano.

O que me chama a atenção, no entanto, é o nome desse Terço: “Mistérios da Alegria”.

É claro que no primeiro momento se torna evidente o motivo da “alegria”: revisamos aspectos do nascimento de uma criança – e não só uma criança, mas o próprio Salvador que era esperado – e Seus primeiros anos de vida.

Quando refletimos um pouco mais, porém, vemos que esses Mistérios guardam aspectos de tristeza, melancolia e até de terror.

No primeiro mistério, quando Maria aceita a proposta do Anjo para gerar e dar a luz a Jesus, ela não sabia ainda todas as consequências que adviriam de sua escolha. Mas, certamente, antevia a primeira e mais imediata: provavelmente seria uma “mãe solteira”, a criar seu filho sozinha. Se hoje é uma dificuldade imensa, imagine-se àquela época.

Sabemos que depois José, a quem era prometida, após um brevíssimo período em que decidiu se afastar, retornou, sob orientação do mesmo Anjo, formando a Família. Foi a Providência a salvar o que poderia estar perdido.

No segundo mistério Maria parte para auxiliar sua prima, já idosa e com gravidez mais avançada. Pode nos parecer uma alegria do convívio familiar no primeiro momento, mas, imaginem uma grávida, com todas as dificuldades inerentes ao momento, partindo a pé para uma cidade distante para servir a outra pessoa. É difícil se imaginar qual o pior momento, se é a viagem em si ou as tarefas que adviriam após a viagem.

Maria, porém, conseguiu fazer a sua parte e cumprir sua obrigação, partindo de volta em nova longa viagem, com gravidez mais adiantada.

No terceiro mistério contemplamos a festa que está chegando: o Natal que se celebra até hoje! A chegada de Jesus!

No entanto, ele chegou no meio de outra viagem, gerada pela necessidade de recenseamento imposto pelo governante, nascendo em Belém, onde não havia sequer um quartinho para se alugar. Maria foi obrigada a dar luz em um estábulo. Os homens não prepararam absolutamente nada para receber o humilde Deus. Há tristeza maior do que essa?

Talvez haja. Imaginem a situação de José, vendo aquela cena, sem muito poder fazer para acudir ou prover à esposa e ao filho recém-nascido. Não é raro se encontrar, sobretudo nos museus italianos, pinturas que retratam a Natividade de Jesus com São José com aspecto profundamente melancólico. Até mesmo Sandro Botticelli pintou isso em uma de suas obras.

Mas, a Providência lá estava e tudo se resolveu, havendo inclusive o consolo de que os Magos, aqueles que buscavam a Deus, foram capazes de encontrar o Menino Jesus, mesmo na mais inesperada das situações.

No quarto mistério Jesus é apresentado no Templo, algo que, de forma muito grosseira, poderíamos comparar hoje ao batizado de nossas crianças. Naquele momento não se poderia pensar em nada que não fosse alegria, não é mesmo?

Pois se poderia. O velho Simeão, contente com a visão do Messias, embora muito mais preocupado com a promessa que Deus lhe havia feito, ainda assim foi obrigado a dizer a Maria o que estaria por vir: “Quanto a ti, uma espada te traspassará a alma”.

Quanto tempo não pode ter durado a apreensão e o suspense? Que dor imensa seria essa pela qual passaria, comparável a uma espada cortando a alma? Quando isso ocorreria? É mais do que tristeza, é o puro terror.

Mas isso não impediu que a família fosse adiante.

O quinto e último mistério é a perda e reencontro de Jesus no Templo de Jerusalém. Os judeus faziam essas peregrinações em grandes caravanas e Jesus acabou perdido dos pais por dois dias, sendo reencontrado depois, em meio aos doutores da lei.

Não se discute a alegria do providencial reencontro, mas e a angústia da perda? Como se pode colocar isso como um dos “Mistérios da Alegria”?

A única explicação possível encontramos pelo contraste com o Terço de outro dia, com os “Mistérios Dolorosos”, que narram a tortura e crucificação de Jesus. Mesmo em meio àquela dor, tristeza e prostração, havia alguma ponta de alegria, pois era o caminho de salvação dos homens. Por menos evidente que pareça diante das circunstâncias, era o cumprimento do que devia ser feito e o cumprimento da promessa que Deus havia feito, certamente motivo de alegria.

Desde a Grécia do período pré-socrático percebeu-se que a única forma humana de compreensão e apreensão da realidade é o método dialético, pela oposição dos contrastes. Houvesse apenas alegria, sem a tristeza, não teríamos condições de saber sequer o que é a alegria.

O que vemos em comum nessas sequências históricas e em toda a nossa vida, embora nem sempre atentemos, é que não existe alegria pura, assim como não existe tristeza completa. Isso é a realidade.

É claro que há momentos em que adversidade há de imperar, abafando a felicidade. Mas, se ela predomina, deve ser mantida a esperança de que isso logo virará, retornando ao reino da alegria, eclipsando a tristeza.

Ou, quem sabe, podemos sempre tirar a alegria da tristeza, como nos Mistério da Alegria!

Mesmo para os que se sentem sem esperança diante de grandes defeitos próprios, lembrem-se, como ensinava Santo Agostinho, de que os vícios e as virtudes são feitos da mesma substância. Então, a fraqueza e a força possuem a mesma raiz.

Nesse momento me lembro do personagem de Robert de Niro no filme “A Missão”. Ele interpreta um mercador de escravos bruto e violento que consegue converter esse vício na máxima virtude do auto sacrifício em prol de coisas muito elevadas.

Sigamos, pois, todos esses exemplos. Manter a esperança, encontrar a alegria – mesmo quando ela muito se esconder –, sempre seguir em frente, sem jamais parar ou retroceder. Mantenhamos sempre a boa caminhada, buscando converter o mal em bem, com a ajuda de Deus, lembrando da Providência.

Feliz Natal e até 2022!

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Emmanuel Ramos de Castro
Amante da literatura, poesia, arte, música, filosofia, política, mitologia, filologia, astronomia e espiritualidade.

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