Medicamentos para o tratamento do câncer podem ultrapassar R$ 1 milhão por paciente e impõem dilemas morais a médicos e gestores da saúde, afirma oncologista

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Na América Latina, tratamento do câncer já é responsável pela maior variação de custos (79%) nas operadoras de saúde; nas autogestões, segundo Pesquisa UNIDAS, a doença corresponde a 6,6% de todas as causas de internação

SÃO PAULO – A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a incidência do câncer vai crescer de 14 para 22 milhões de pessoas até 2030. Com isso, a doença se tornará a principal causa de morte no planeta. No Brasil, além do cenário também se confirmar, ainda há o desafio de uma população envelhecida, aliada a sistemas de saúde – tanto público, quanto privados – enfraquecidos financeiramente, o que, por vezes, inviabiliza tratamentos avançados, como é o caso da imunoterapia no câncer.

No segmento das autogestões, que reúne as operadoras de saúde sem fins lucrativos ligadas às empresas do setor público e privado, este cenário é ainda mais complexo. Segundo a Pesquisa UNIDAS 2018, conduzida pela União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde, entidade que representa o setor, o câncer está entre as dez doenças que mais causam internação, correspondendo a 6,6%. Na América Latina, de acordo com a consultoria Mercer Marsh Benefits, o câncer, com base no valor da sinistralidade (em dólar), foi responsável pela maior variação de custo em 2017: 79%.

Diante desse cenário, aliado à incorporação de novas drogas e, consequentemente ao avanço do tratamento com um recurso financeiro que é finito, o sistema de saúde se coloca à frente de uma grande discussão ética: quanto vale a vida? E a sobrevida imposta por um medicamento que custará anualmente R$ 1 milhão ou mais por paciente?

Para o presidente da UNIDAS, Anderson Mendes, esse é um questionamento que toda a sociedade deve fazer e se aprofundar. "No médio prazo, a alternativa é trabalhar melhor as questões referentes à incorporação e utilização dessas tecnologias, com critérios claros, evidências que comprovam a eficácia e públicos-alvo bem definidos. Em longo prazo, no entanto, é fundamental que a sociedade como um todo discuta o valor da vida e da sobrevida, porque se isso não acontecer, não será possível pagar essa conta".

Para o pesquisador associado do Centro de Administração em Saúde FGV-EAESP (Fundação Getúlio Vargas – Escola de Administração de Empresas de São Paulo) e Mestre em Medicina e Economia da Saúde pela Universidade Federal Paulista (UNIFESP), Alberto Ogata, um caminho a seguir é a aproximação das autogestões e seus beneficiários, a fim de que todos estejam cientes do contexto e da limitação de recursos, que tenham a dimensão do valor da operadora e se sintam corresponsáveis pelos seus resultados.

Também, segundo Ogata, é fundamental buscar caminhos que envolvam a mudança do modelo assistencial, que ainda é fragmentado, centrado no hospital e no pronto-socorro. "Neste contexto, a adoção da atenção primária, da telemedicina, do registro eletrônico de saúde e a integração na gestão de dados é necessária para a melhoria dos resultados".

Por fim, o médico faz um alerta em relação às diferenças entre o sistema privado brasileiro e o sistema público de saúde, o SUS, que possui centros de avaliação de tecnologias (NATs) que se reúnem em rede (REBRATs) e apoiam as decisões da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). "Tal ferramenta não existe na saúde suplementar, fragilizando as decisões sobre incorporação de tecnologia, que ficam limitadas às decisões da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)", conclui.

Quanto vale a vida?

Assim como o presidente da UNIDAS, o oncologista do hospital Mãe de Deus (Porto Alegre) e coordenador do Programa de Benefícios de Medicamentos Oncológicos da Caixa de Previdência e Assistência dos Servidores da Fundação Nacional de Saúde (Capesesp), Stephen Doral Stefani, defende a necessidade de discutir essa questão. Segundo o médico, o valor moral é infinito, mas existe um limite financeiro que deve ser debatido com a sociedade. Medicamentos que tratam o câncer com valores vultosos, que por vezes ultrapassam R$ 1 milhão por ano por paciente, impõem desafios aos médicos e privilegiam poucos em detrimento de muitos. "E se eu gastasse todo o dinheiro com o paciente número um do dia e não sobrasse nada para os seguintes?", questiona.

O médico defende a divisão justa e isso, muitas vezes, implica em decisões de foro ético e moral. "De forma irrealista, poderíamos definir que todo dinheiro seja alocado para que se possa dar tratamentos básicos e de ponta para todos pacientes. Contudo, como o recurso é finito, nossas escolhas vão significar a retirada de investimentos de outras áreas. Postergar ainda mais esse remédio amargo pode inviabilizar o sistema todo", explica Stefani.

Segundo Stephen Stefani, tratamentos inovadores geram esperanças para pacientes, que festejam esses avanços. Por sua vez, os prestadores de serviço usam o modelo fee-for-service, ou seja, quanto mais o se usa, maior a remuneração, com dificuldades de gerenciar o sistema com eficiência e não repassar esses custos para tributos ou mensalidades. "E quando mais cara fica a participação financeira da população, maior o número de excluídos, que deixam de ter acesso às inovações. E quanto menor o acesso à inovação, mais cara ela fica. Infelizmente, é a receita do colapso", conclui.


Sobre a UNIDAS

A UNIDAS – União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde é uma entidade associativa sem fins lucrativos, representante das operadoras de autogestão do Brasil. A autogestão em saúde é o segmento da saúde suplementar em que a própria instituição é a responsável pela administração do plano de assistência à saúde oferecido aos seus empregados, servidores ou associados e respectivos dependentes. É administrado pela área de Recursos Humanos das empresas ou por meio de uma Fundação, Associação ou Caixa de Assistência – e não tem fins lucrativos. Atualmente, a UNIDAS congrega cerca de 120 operadoras de autogestão responsáveis por prestar assistência a quase 4,7 milhões de beneficiários, que correspondem a 11% do total de vidas do setor de saúde suplementar. É entidade acreditadora chancelada pelo QUALISS, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por meio do programa UNIPLUS.

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Emmanuel Ramos de Castro
Amante da literatura, poesia, arte, música, filosofia, política, mitologia, filologia, astronomia e espiritualidade.

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