O esquema de lavagem de dinheiro do PMDB

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Por Felipe Coutinho e Luís Lima/Época


Localizada na Zona Leste de São Paulo, a Lotérica Central está acomodada numa esquina, entre a loja Ponto da Lingerie e um camelódromo, mimetizada entre os demais estabelecimentos comerciais da área. Em 22 de abril de 2014, a Central recebeu uma transferência bancária de R$ 185 mil para apostas. O concurso 1.593 da Mega-Sena daquela semana não estava acumulado e pagaria o mais baixo rateio de abril ao acertador das seis dezenas. Não se trata, obviamente, de algo comum. Apostas tão altas cheiram a lavagem de dinheiro, pois o apostador procura cercar todas as possibilidades para levar o prêmio, e assim tornar lícito um dinheiro sujo. O depositante no caso era o advogado Flávio Calazans, dono de um pequeno escritório em São Paulo. Seus movimentos ficam mais claros a partir das últimas investigações da Operação Lava Jato.

Segundo as investigações, Calazans é peça de uma engrenagem que, de um lado, recebia dinheiro de grandes grupos empresariais em boa parte até agora desconhecidos e, depois, repassava a empresas de fachada, apontadas como dutos para o pagamento de propina para políticos. Entre 2013 e 2015, passaram mais R$ 20 milhões pela conta de Calazans. O auge foi justamente o aquecido período eleitoral de 2014, quando o petrolão alimentava os caixas de campanha. Calazans não tinha porte para repassar essa pequena fortuna. Ele não representa clientes em nenhum grande processo que justifique honorários altos. Na verdade, não prestou nenhum serviço a eles. “Eu vendi alguns recibos pela facilidade de não precisar emitir nota eletrônica. Era apenas recibo de honorários”, diz. “A advocacia é ampla e poderia dizer que era consultoria, então ficava mais fácil”, disse Calazans, que afirma que aceitou vender as notas para pagar dívidas. As grandes empresas abasteceram a conta de Calazans, que em seguida repassou os valores a duas empresas de fachada, a Link Projetos e a AP Energy, conhecidas dos investigadores da Lava Jato como abastecedoras de propina.

As ordens de transferência para Calazans partiam de Victor Colavitti, da Link, e de Rodrigo Brito, filho do dono da AP Energy, a mando de Milton Lyra, um lobista, operador do PMDB, próximo do presidente do Senado, Renan Calheiros. “Eles me falavam que era a pedido do Milton”, afirma Calazans. Delatores da Lava Jato e investigações da Polícia Federal apontam Miltinho, como é conhecido nos subterrâneos, como operador de Renan no Postalis, o fundo de pensão dos funcionários dos Correios, que acumula um prejuízo bilionário. O nome de Flávio Calazans surgiu pela primeira vez na Lava Jato como um dos abastecedores da empresa Link Projetos. Essa empresa já é, comprovadamente, uma pagadora de propina. Como ÉPOCA revelou em abril, em sua proposta de delação premiada aos procuradores da Lava Jato, José Antunes Sobrinho, executivo da Engevix, afirmou que Victor Colatitti, da Link, operava com Milton Lyra. Seu apelido era “Lavanderia”. O próprio Colavitti fez delação premiada e admitiu a condição de operador da Engevix.

Somadas, as transferências de Calazans para a Link e para casas lotéricas chegam a R$ 1,2 milhão. No mesmo dia, outra lotérica recebeu o mesmo valor da Lotérica Central. A maior parte do dinheiro transferido por Calazans, contudo, foi para outra empresa. Foram R$ 9,4 milhões para a AP Energy. Era uma empresa de fachada, que foi até descredenciada pela Receita Federal há dois meses, justamente por não existir de fato. Em delação, Luiz Carlos Martins, executivo da Camargo Corrêa, disse que a empreiteira usou a AP Energy para pagar R$ 2 milhões em propina ao senador Edison Lobão – um dos caciques do PMDB e ex-ministro de Minas e Energia.

Os maiores repasses a Calazans, de R$ 4,5 milhões, vieram do grupo Hypermarcas e de sua subsidiária Brainfarma. Esses valores já estão na mira da Procuradoria-Geral da República, uma vez que Nelson Mello, ex-diretor do grupo, acertou um acordo de delação premiada. Segundo ele, Milton Lyra distribuía propinas para o PMDB e Calazans era o meio do caminho. Na delação, revelada pelo jornal O Estado de S.Paulo em junho, Nelson disse que fez tudo sozinho, sem o consentimento da empresa – mesma versão da Hypermarcas divulgada ao mercado. O primeiro pagamento foi feito em maio de 2014. Calazans não prestou serviço. Mesmo assim, os pagamentos prosseguiram até julho de 2015, pela Hypermarcas e Brainfarma. Ou seja, segundo a versão de Nelson e da Hypermarcas, o ex-diretor conseguiu, sozinho, fazer pagamentos para um serviço que não foi prestado, no espaço de 14 meses, com duas empresas diferentes. Tudo isso à revelia do controle interno da Hypermarcas e dos outros executivos que participaram da negociação do contrato e sua assinatura. Há até e-mails de uma secretária da presidência da Hypermarcas, segundo Calazans. “Eu achei um absurdo e sem sentido [a declaração da Hypermarcas de que tudo foi feito sozinho pelo Nelson]”, disse. “Eu nem sei quem é Nelson. ”

Uma das empresas que colocaram dinheiro no esquema foi a Inframerica, sócia da Engevix. A mando de Milton Lyra, Calazans recebeu também da Inframerica, que administra o aeroporto de Brasília, R$ 468 mil, em junho de 2014. “Fui ao escritório do Colavitti e ele me passou um cartão do ‘Alysson’ Paolinelli [CEO da Inframerica]. Eu liguei na Inframerica, me pediram uma proposta e troquei e-mail confirmando o recebimento da proposta”, afirmou Calazans. Paolinelli, disse que não se lembrava do pagamento ou de ter contratado o advogado. “Não sei, não lembro”, disse, repetidas vezes. A Inframerica disse que abriu uma auditoria interna para apurar os pagamentos e afirmou que “sempre observou todas as regras de governança corporativa e compliance”.

Um dos depositantes da conta de Calazans é o banco BMG, envolvido no esquema do mensalão. Embora seja um banco com grandes transações, o BMG escolheu justamente duas empresas menores, uma promotora de eventos e outra de empreendimentos, para fazer as transações. Além de usar dois CNPJs diferentes do BMG, o que chama a atenção são valores idênticos, no mesmo dia 29 de julho de 2014: R$ 328 mil. O BMG não esclareceu as coincidências. Disse, apenas, que o contrato é sigiloso. A lista de clientes inclui ainda uma subsidiária do grupo Marquise, com negócios especialmente no Ceará e em Alagoas. Por meio da EcoOsasco foram repassados a Calazans R$ 2,5 milhões, entre abril e setembro de 2014. A empresa diz que ele prestou serviços advocatícios referentes à desapropriação e regularização de um terreno em Osasco. De todas as empresas que colocaram dinheiro na conta de Calazans, um grupo representa uma nova frente, até agora longe dos holofotes da Lava Jato: a saúde. Trata-se de três empresas ligadas a Edson Bueno, fundador da Amil. Os hospitais 9 de Julho, Clínicas de Niterói e uma imobiliária deram R$ 1 milhão. O grupo não respondeu às perguntas enviadas. Outro campo novo é na área de portos. Entre julho de 2014 e março de 2015, Calazans recebeu de quatro terminais em Santos, Vitória e Paranaguá valores mensais na casa de R$ 30 mil – totalizando R$ 1 milhão.

Procurado, Milton Lyra se pronunciou por meio dos advogados Eduardo Toledo e Alexandre Jobim. “A defesa não comenta sobre fatos ou documentos que desconhece, em especial sobre aqueles que sejam protegidos pelo segredo de Justiça. A tempo e modo, entretanto, esclarece que, no curso de eventual investigação e processo, e no momento oportuno, demonstrará a inocência de seu constituinte”, dizem os advogados. “Qualquer antecipação de tese poderá ser prejudicial aos interesses do constituinte”, concluem. O advogado de Victor Colavitti não retornou os telefonemas. O advogado de Rodrigo Britto, Daniel Bialski, disse que ele não trabalhava para a AP Energy. O advogado da empresa, Marcos Montemor, afirmou que Lyra não recebeu dinheiro da AP Energy, mas disse que não poderia explicar por que recebeu os valores, uma vez que há inquérito policial sigiloso.

Dono da Lotérica Central, Antonio Acceta reconheceu a ÉPOCA: “Você pode ser um bandido e um ladrão. Se você falar que vai depositar na minha conta uma transferência bancária para eu fazer um jogo, eu faço. Essa é a nossa vida”, diz. “Fui usado. Não de forma inocente, pois tive lucro, mas o que me cabia, não mais.” Acceta também disse que os valores foram para emitir jogos e que os comprovantes são guardados por 90 dias. “Depois, é lixo. É uma orientação da Caixa, inclusive”, afirma. Outro cliente da lotérica era Lúcio Funaro, preso pela Lava Jato pela suspeita de ser operador financeiro do ex-­deputado Eduardo Cunha e que teve a vida financeira devassada pelos investigadores. Funaro depositou R$ 990 mil, em dois meses de 2013. Assim como Milton Lyra, ele é acusado de ser operador do PMDB e foi delator no mensalão. O advogado de Funaro, Daniel Gerber, disse que “todas as operações para as lotéricas foram registradas e serão explicadas em momento próprio”.

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Emmanuel Ramos de Castro
Amante da literatura, poesia, arte, música, filosofia, política, mitologia, filologia, astronomia e espiritualidade.

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