Pela efetivação do punitive damage no direito brasileiro

agenciaweber

agenciaweber

O regramento tradicional dos danos no direito brasileiro é particularmente restrito. Falamos, aqui, de forma basilar, em apenas de dois tipos principais de danos: os materiais, que incluem os danos emergentes e lucros cessantes, e os danos morais, que abrangem os danos de natureza imaterial.

Passaram a surgir, timidamente, outras espécies de danos, como os estéticos, os danos pela perda de uma chance e até mesmo os danos existenciais, que se ligam à privação de oportunidades ou expectativas de vida das pessoas.

Mas todas essas últimas categorias sofrem para ter "vida própria". Muitas vezes são jogadas no mesmo barco dos danos morais, que talvez cada vez mais deveriam se chamar "danos imateriais".

Temos no Brasil hábitos sociais e processuais muito ruins. Empresas, de forma geral, se acostumam a atender mal e às vezes acham que atendem bem mesmo prestando serviços ruins. Isso quando não fazem nítida propaganda enganosa de que atendem bem, enquanto que são as campeãs de processos judiciais e reclamações. Bancos e empresas de telefonia talvez sejam os ramos onde isso mais se observa.

Mas, de modo geral, essa questão está sempre atrelada ao consumo. E sobre os hábitos processuais ruins do brasileiro está justamente a alta taxa de demandas judiciais. Existem muitas delas, muitas que nunca precisariam ter surgido, mas surgem por um misto de despreparo e desinteresse da empresa aditivado pelo "sangue no olho" que o brasileiro possui em sempre querer propor um processo judicial, ainda que por pouca coisa. Mas ele tem outro caminho? Ele tem voz perante a empresa senão assim?

E mais, será que se processa por tão pouca coisa mesmo? Você se sente bem cuidado nas relações de consumo? E não digo sobre ser mimado, mas você sente que as obrigações acordadas com as empresas que prestam serviços são realmente bem cumpridas ou mesmo apenas cumpridas?

Nos EUA observamos fenômenos interessantes: há poucos processos que tratam de consumo, mas todos eles são levados muito a sério, pois tratam, afinal, da base da economia do país. Não raro as condenações são tão elevadas que o processo mais serve como um exemplo para as demais empresas do mercado, pois a empresa condenada quebra e não consegue se reerguer. Erros com o consumidor são fatais.

E aqui no Brasil? Muito grave ou pouco grave, as condenações acabam não variando tanto, ficando sempre em um patamar que não é especialmente relevante para a empresa, enquanto que o consumidor recebe uma pequena indenização.

Isso gera, de um lado, milhões de ações e, de outro, empresas que já planejam no seu orçamento os custos anuais com condenações judiciais por relações de consumo.

Penso que é preciso começar a levar um pouco mais a sério a questão da natureza dos danos e passar a aplicar o que os americanos chamam de punitive damage, que não é um dano moral como habitualmente temos aqui, mas um dano de natureza punitiva, uma sanção verdadeira para que o infrator da lei pense muitas vezes antes de adotar ou manter certo comportamento. Mas, por aqui, a realidade…

Cito, como exemplo, um caso julgado pelo Juizado Especial de Brasília, em caso de consumidor que processou o banco porque ficou esperando na fila por 1h50 para ser atendido. Pediu que o juiz condenasse o banco ao pagamento de danos morais.

O juiz negou o pedido, argumentando que essa espera não feriu "a honra" do consumidor. E não feriu mesmo, tenho certeza.

Mas fato é que existe norma que obriga os bancos a atenderem em até 30 minutos. Mas e se não atenderem, como realmente não atenderam no caso mencionado, qual é a solução?

Se não existe sanção para o ato que desrespeita a norma, a consequência é um direito manco, inefetivo, que não possui instrumentos para garantir a si próprio.

Na realidade, quando a pessoa ingressa com um processo desses, e muitos são assim, o que ela realmente quer é a aplicação do punitive damage, ou seja, que o infrator sinta no bolso o peso de desrespeitar a lei. É evidente que 1h50 de espera, salvo casos especiais, não resulta em frustração ao direito de ninguém. Mas então qual é a razão de existência da norma que obriga o banco a atender em 30 minutos?

Antes chamar tudo de "dano moral", de forma ampla, talvez constituísse a forma de abarcar situações sem nome. Hoje, chamar tudo de dano moral é dar o nome errado às coisas, podendo gerar entendimentos errôneos sobre a própria natureza das coisas.

Se temos a chance de efetivar o punitive damage ao direito brasileiro e deixar pra lá o nome genérico e capenga de "danos morais", que leva a distorções como a desse julgamento do Juizado Especial, temos que fazê-lo já, antes que o direito sofra ainda mais.

Compartilhar:

Facebook
Twitter
LinkedIn
Email

Deixe um comentário

Você pode optar por ficar anônimo, usar um apelido ou se identificar. Participe! Seus comentários poderão ser importantes para outros participantes interessados no mesmo tema. Todos os comentários serão bem-vindos, mas reservamo-nos o direito de excluir eventuais mensagens com linguagem inadequada ou ofensiva, caluniosa, bem como conteúdo meramente comercial. Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

JORNALISTA

Emmanuel Ramos de Castro
Amante da literatura, poesia, arte, música, filosofia, política, mitologia, filologia, astronomia e espiritualidade.

Categorias

Veja Também:

Fale com o Blog!