Por Bruno Barchi Muniz | LBM Advogados
O site jurídico Jota divulgou recentemente a reportagem intitulada “Mais jovens deixam planos de saúde e ‘equação da idade’ vira problema para empresas” .
Nela, é retratada a crise que começa a ameaçar o setor, por uma quebra do “pacto intergeracional” que rege o negócio.
Esse “pacto” é, basicamente, a estrutura de qualquer política de seguros: os que não usam o seguro – ou, pelo menos, não o usam gravemente – são os que sustentam financeiramente a operação, cobrindo todas as despesas, inclusive os gastos dos que usam o seguro, sendo predominante, no caso, o uso pelas gerações mais velhas, sobretudo idosos.
A reportagem analisou dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e esclareceu que houve uma queda de 11% nos beneficiários entre 15 e 19 anos, de 17% nos beneficiários entre 20 a 24 anos e de 18% entre os jovens de 25 a 29 anos.
Ao mesmo tempo, o número de beneficiários entre 75 a 79 anos subiu 31% no mesmo período. Com 80 anos ou mais, cresceu 39%, de acordo com a ANS.
Para a confecção do editorial, com a oitiva de diversas pessoas ligadas ao setor, listou-se, em suma, os seguintes problemas:
- Alto índice de desemprego e falta de renda, sobretudo entre os jovens de 18 a 24 anos;
- Perspectivas econômicas ruins para o país;
- Recentes reajustes enormes nos planos de saúde;
- Mau uso do serviço, com usuários que vão “passear” no médico ou que fazem exames que sequer vão buscar;
- Médicos conveniados ou de entidades conveniadas que prescrevem tratamentos ou medicamentos que não estão previstos no rol da ANS, gerando custos adicionais.
A solução parece ser unânime para os entrevistados: trazer mais jovens para os contratos de plano de saúde.
Talvez nos caiba também fazer uma reflexão a respeito dos problemas, já que a solução apontada também nos parece ser a mais evidente, embora não seja evidente a forma de ela ser alcançada.
Dividiremos essa análise em dois artigos. Nesse, falaremos dos três primeiros itens listados, que parecem mais atrelados a questões econômico-sociais, enquanto que as duas últimas mais parecem tratar de aspectos de relacionamento jurídico.
Iniciando, sobre as questões de desemprego, falta de renda e más perspectivas econômicas, são uma realidade cada vez mais aprofundada.
Quando olhamos os dados dos jovens entre 15 e 19 anos, que retraíram 11%, estamos vendo opções que, na verdade, são dos pais, que tendem a custear os planos de saúde para pessoas dessa idade.
Abrir mão de plano de saúde para o filho, quando é costume da família tê-lo, retrata, de fato, dificuldades financeiras e opções familiares provavelmente das mais indesejadas.
Já nas categorias mais velhas, o retrato nos parece um pouco diferente. Nas faixas de 20 a 24 anos e de 25 a 29, há uma proporção enorme da “geração nem-nem”, que nem trabalha, nem estuda.
A simples experiência cotidiana nos sugere que existe quase que uma epidemia trazendo cada vez mais pessoas para essa estatística. Há muitas pessoas, sobretudo nessa faixa de idade, vivendo em uma aparente “letargia”, como se houvesse – e talvez haja – uma depressão ou sentimento de desinteresse generalizado dessas pessoas a respeito de qualquer coisa.
Isso condiz com verdadeiros problemas de saúde mental, eles, sim, descritos por profissionais da área da psicologia sobre essa geração.
Ora, alguém que além de não ter dinheiro não consegue se interessar por nada, independentemente da origem do desinteresse, obviamente não terá interesse pela própria saúde, muito menos por pagar mensalmente um plano de saúde.
De acordo com dados recentes do IBGE, a “geração nem-nem” corresponde a 20% da população entre 15 a 29 anos de idade.
Ou seja, de cada 5 brasileiros nessa idade, é possível para os planos de saúde prospectar apenas 4.
Para um setor que precisa de jovens, é um desafio terrível.
E, para os jovens que não estão nessa “geração nem-nem”, mas que seguem a vida “normalmente”, por assim dizer, há os problemas econômicos já mencionados antes.
Para eles, ainda, enxergamos outro agravante que desafia o interesse em contratar plano de saúde.
A pandemia do COVID-19 durou, de acordo com a OMS, de 30 de janeiro de 2020 a 05 de maio de 2023, portanto, 3 anos e quatro meses, um período enorme, apesar de não nos darmos conta disso frequentemente.
Nesse período, sobretudo a partir de 2021, quando começaram a surgir as vacinas e vacinação no Brasil, houve uma propaganda massiva do Sistema Único de Saúde (SUS).
Não temos como dizer se isso foi algo orgânico ou orquestrado, mas basta pesquisar em histórico de redes sociais quantas vezes frases elogiosas ao SUS ficaram entre as mais compartilhadas e dentre os assuntos mais comentados.
Os maiores usuários de redes sociais ou, pelo menos, os que usam diariamente por mais tempo, estão concentrados entre os mais jovens. Logo, é impossível que não tenham sido expostos a essa propaganda.
Como é evidente, o efetivo uso do SUS não se dá majoritariamente entre os mais jovens que, como se sabe, ficam menos doentes com gravidade do que pessoas mais velhas.
Não raro, por não conhecerem como de fato é o SUS, passam a crer tratar-se quase do “Paraíso na Terra”, sem nunca terem pisado em um hospital público.
Com isso, surge a falsa crença de que a saúde pública é rigorosamente igual ao serviço privado.
E não estou exagerando na forma como isso tem sido visto ultimamente.
Antes, a coisa mais comum do mundo eram as piadas com as demoras e filas do SUS. Talvez o extinto “Casseta & Planeta” jamais tenha concluído uma edição do programa sem algo do tipo.
Hoje em dia, porém, se tornou tabu falar dos problemas reais do SUS. Qualquer coisa que não seja elogio é tratado como se fosse um ataque às políticas públicas, ainda que elas nem mesmo existam.
Outro problema listado, e esse é realmente impressionante, diz respeito aos reajustes dos planos de saúde.
Relembrando, durante a pandemia houve alto ingresso de usuários nos planos, compensado por alta sinistralidade. A ANS, à época determinou o congelamento de reajustes.
Quando os reajustem, enfim, vieram, foram enormes “facadas” nos usuários, muito acima da própria inflação.
Sentimos isso na pele no nosso escritório, com um aumento sem precedentes de consultas jurídicas a respeito do tema, sem paralelo com nenhum outro período.
Será que os reajustes precisavam ser tão elevados, ainda mais considerando que as empresas do ramo, em geral, foram superavitárias no período da pandemia, que antecedeu esses reajustes? Talvez seja tema oportuno para uma reflexão para o setor que já prevê problemas financeiros.
São algumas observações econômico-sociais que fazemos a respeito do tema da saúde financeira dos planos de saúde. No próximo artigo falaremos sobre os aspectos de relacionamento jurídico.
Bruno Barchi Muniz – é advogado, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos, Pós-Graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD), membro da Associação dos Advogados de São Paulo. É sócio-fundador do escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados.