Por Bruno Barchi Muniz | LBM Advogados
Nos já agora longínquos anos de 2017 e 2018, publicamos dois artigos sobre mesmo tema, intitulados “Planos de saúde no abismo da esquizofrenia tributária” e “Planos de saúde um pouco mais distantes da esquizofrenia tributária”.
O motivo do primeiro artigo era a loucura que se inseriria no ramo dos planos de saúde com novidades legislativas referentes ao ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza), já que se tentava realizar um deslocamento do município credor do imposto, do município da sede da empresa, para o município do “tomador do serviço”, o que, em si, já era questão de complexo entendimento.
Isso porque, como dissemos naquelas ocasiões, quem seria o tomador do serviço em um contrato de plano de saúde?
Nos permitimos transcrever trecho que escrevemos a esse respeito:
“Mas a atividade dos planos de saúde não é tão simples de se visualizar. Analisemos a situação mais comum atualmente de contratação de planos de saúde, que é a empresarial e coletiva: quem é o tomador do serviço, neste caso, a empresa ou cada funcionário que adere ao plano coletivo, enquanto indivíduo?
Se for cada funcionário, individualmente, qual será o local da tomada do serviço: o município da sede da empresa, onde o contrato é firmado; o município onde o funcionário tem residência ou; o município onde lhe for prestado um serviço de saúde, como uma consulta ou um procedimento interventivo?
E se esse funcionário for divorciado e, no plano de saúde, tiver como dependente um filho menor que mora com a mãe em outra cidade, quem está tomando o serviço? O próprio funcionário? O filho menor? A mãe, representante legal do menor?
E se um funcionário da empresa que trabalha viajando, vendendo e visitando fornecedores se acidentar no meio da estrada e precisar de atendimento médico, qual município será o credor do ISSQN referente? Aquele onde houve o acidente? Aquele onde ocorreu o atendimento? E se houve uma ambulância do plano de saúde para fazer o atendimento de emergência e levá-lo para hospital de outro município, como fica a questão?
Para quem mora em grandes cidades algumas hipóteses podem parecer dúvida sem fundamento, pois, em boa parte dos casos a pessoa mora no mesmo município onde trabalha e onde mantém seus médicos.
Mas, quem é natural de cidade pequena, como eu, deve logo ter pensado naquela empresa da cidade vizinha, que emprega 5.000 pessoas de todas as cidades da região, que precisam viajar 10, 20 ou 30 km para chegar no seu município de trabalho, sendo que, quando precisam de atenção médica mais especializada, precisam ir ainda para um terceiro município, que é a referência regional de atendimento para determinados casos.”
No segundo artigo, escrevemos que a loucura parecia um pouco mais distante, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a aplicação da nova legislação, justamente por ela ser lacônica a respeito de temas fundamentais para conhecimento de qual município deveria receber o ISSQN.
Isso, claro, sem descuidar que haveria um esforço contábil e fiscal incrível para se poder alcançar os mais de 5.000 municípios brasileiros.
Enfim, na última semana a questão acabou totalmente resolvida.
O STF declarou inconstitucionais dispositivos da Lei Complementar nº 116/2003 que transferiram a competência para a cobrança do ISSQN do prestador do serviço para o tomador, na ADPF nº 499 e ADIs nº 5835 e 5862.
O cerne do julgamento foi justamente a falta de clareza do conceito de “tomador de serviços”, o que geraria insegurança jurídica.
Apesar de ser chocante ver o STF falar atualmente em “segurança jurídica”, nesse caso não poderíamos estar mais de acordo.
Vale lembrar que a Lei Complementar nº 175/2020, muito posterior à norma analisada pelo STF, especificou o conceito de “tomador dos serviços” para esses fins e previu um sistema nacional para o cumprimento das obrigações acessórias relativas ao ISSQN.
Porém, somente Nunes Marques e Gilmar Mendes entenderam que essa nova norma resolveu as dúvidas existentes, acabando vencidos pela maioria, que julgou que não era suficiente para prover a necessária segurança jurídica para o pagamento do tributo ou que ela, por se relacionar diretamente aos dispositivos constitucionais, acabaria também por ser inconstitucional, como assim foi declarada.
O perigo tributário que assombrava o setor foi afastado, mas, temo que seja por pouco tempo.
Temos no horizonte a possibilidade de uma “reforma tributária”, que pode prever absolutamente qualquer coisa, mantendo justa apreensão não só para os planos de saúde, mas para toda a sociedade.
Bruno Barchi Muniz – é advogado, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos, Pós-Graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD), membro da Associação dos Advogados de São Paulo. É sócio-fundador do escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados.