Por Fernando Bianchi
A Judicialização da saúde privada em matéria de planos de saúde privados é um fenômeno fundamentalmente brasileiro, considerando que em outros países há pouca incidência dessa matéria.
Atualmente há verdadeiro ativismo judicial nessas demandas e decisões pouco técnicas na matéria da saúde suplementar.
Um dos pontos que chamam a atenção é a própria relativização dos Juízes da autoridade técnica da Agência Nacional de Saúde Suplementar e da própria legislação regulatória na apreciação das matérias, e por vezes a utilização da judicialização até para cometimento de fraudes.
A qualidade técnica das decisões judiciais da Justiça Estadual é baixa, assim como contém uma visão ultrapassada da aplicação do direito, sem contar sua superficialidade técnica. Se constata negação ao direito moderno que deve analisar impactos econômicos, custo efetividade, medicina baseada em evidência, impactos de mercado, dentre outros institutos.
O resultado é um judiciário com grande incerteza jurídica e pouca confiabilidade que em verdade enseja graves problemas ao ecossistema da saúde suplementar.
Logo, surge a pergunta: Todas as decisões judiciais dessa matéria devem ser cumpridas?
Por exemplo, uma decisão judicial que determina uma entrega de medicamento ou tratamento que tecnicamente são inadequados, não tem evidência de eficácia, que não cumpre os requisitos do rito extra rol previsto na Lei 14.454/21 e representa potencial dano para a própria saúde do paciente, que não analise impacto econômico da decisão e nem mesmo a regra da legislação regulatória, seu cumprimento deve ser relativizado.
As decisões judiciais emitidas por um juiz de direito sem qualquer conhecimento técnico na área da saúde, que desprezam a utilização de ferramentas como o NATJUS, não observam os enunciados FONAJUS do CNJ, não gozam de credibilidade capaz de ensejar seu cumprimento imediato.
A ausência de elementos técnicos a falta de cautela sobre os impactos econômicos, as reformas das decisões liminares em sede de recurso de agravo de instrumento, corroboram com a necessidade de relativizar o cumprimento das decisões concessivas de liminares em matéria de plano de saúde privado, até mesmo visando o bem dos beneficiários, que por vezes estão sendo usados por quadrilhas de fraudadores ou mesmo por profissionais guiados por interesses econômicos.
Qual é o sentido da controvérsia médica sobre determinado tratamento estabelecida pelo médico assistente do paciente e o médico auditor das operadoras sempre gozar de presunção de veracidade em prol do médico assistente do consumidor?
Por que o CRM do médico assistente vale mais do que o CRM do médico auditor?
Se há uma equivocada presunção de que o médico auditor da operadora é suspeito, por que a mesma suspeição não pode recair sobre o médico assistente que pode estar motivado por influência econômica na indicação de determinado tratamento?
E qual a competência do juiz do processo para analisar tal controvérsia médica antes de uma perícia médica?
E se a decisão judicial trouxer a morte do paciente? O juiz, o médico ou o advogado dos beneficiários serão responsabilizados?
Portanto, considerando o até aqui esboçado, é possível sustentar a necessidade de relativização das decisões judiciais, quando essas desrespeitarem legislação vigente, representar malefícios aos pacientes e quando estiverem sendo utilizadas como meio de consecução de fraudes ou com exclusivo caráter econômico.
Logo, é legitimo que as operadoras de planos de saúde adotem medidas para proteger seus beneficiários, sendo uma delas a relativização do cumprimento das decisões judiciais em matéria de judicialização da saúde.
Da mesma forma se a decisão judicial está sendo utilizada como meio de fraude, o descumprimento da decisão judicial deve ocorrer para a proteção da própria empresa que tem a responsabilidade de proteger a coletividade de sua carteira de beneficiários.
A solução para esse lamentável fenômeno, começa por exigir juízes especializados sobre a matéria e que verdadeiramente observem a legislação específica da ANS e o normativo regulatório.
A criação de sumulas vinculantes extraídas de debates técnicos como os enunciados FONAJUS. A obrigatoriedade dos juízes se utilizarem em todos os casos de judicialização da saúde e antes de concessão de liminares, ferramentas como o NATJUS e consulta à ANS.
A alteração da legislação para responsabilizar pessoalmente os juízes nas hipóteses de erro grosseiro de suas decisões, fato que inibiria o ativismo judicial, assim como a caridade com o recurso alheio.
A proibição do judiciário de desautorizar a Agência Nacional de Saúde Suplementar e relativizar pareceres técnicos.
A obrigatoriedade das decisões judiciais serem técnicas observando a legislação específica que atualmente obriga uma análise mais abrangente como impactos econômicos, sociais, medicina baseada em evidencia e consequentemente proibir a aplicação de análise rasa e legislação genérica como CDC assim como de argumento de autoridade em discussão técnica.
Portanto, o problema da judicialização da saúde suplementar no Brasil não decorre da combatividade dos operadores do direito ou da prática de abusividade das operadoras, mas do ambiente de insegurança jurídica, pouco técnico, que enseja um ambiente belicoso onde consumidor, operadora, agência reguladora não têm previsibilidade, porque há um judiciário que faz incorretas intervenções tumultuando e praticando um desserviço ao mercado.
Fernando Bianchi, Advogado, Sócio do M3BS Advogados e especialista em Direito da Saúde Suplementar
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