O império da vontade

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Por Bruno Barchi Muniz

Hoje, no nosso país, entre o povo, entre o homem comum, talvez não exista ninguém despreocupado com o futuro próximo.

E a preocupação certamente decorre da imprevisibilidade, de não se ter nenhuma baliza objetiva sobre o que se fazer, como agir, como investir o tempo e o dinheiro.

Boa parte disso decorre da atuação do Judiciário, sobretudo nas esferas mais elevadas, que não permitem antecipar nenhuma tendência de julgamento, especialmente naqueles que serão vinculantes para as demais instâncias, em decisão definitiva.

Mas, por que isso acontece?

Antes muito falávamos em “insegurança jurídica”. Hoje, mais inseguros juridicamente do que nunca, a expressão não mais é falada, justamente porque ela não mais descreve o fenômeno.

Ultrapassamos os limites da mera “insegurança”, para alcançarmos a “insanidade”.

E a insanidade decorre de julgamentos de temas muito similares, mas com resultados completamente diferentes. Ou, então, súbitas alterações de entendimento em relação a temas que já estavam pacificados havia 15, 20 ou 30 anos.

No início dos anos 2000, o então Ministro Marco Aurélio, hoje aposentado, concedeu uma entrevista que ficou famosa, ocasião em que afirmou: “O juiz só deve se curvar à própria consciência. Ele não deve julgar pela capa dos autos, pelas pessoas envolvidas.”

Isso nos parece evidente dentro do conceito de justiça e, certamente, louvável, vindo de um juiz.

Só que essa frase, que hoje mais soa como profecia, também tem um sentido sombrio, decorrente de uma simples pergunta: o que há nessas consciências?

Hoje as consciências estão absolutamente dominadas pela vontade. É, de fato, o império da vontade. Uma vontade “criadora”, para moldar o mundo ao próprio projeto, em uma tentativa, provavelmente inconsciente para essas pessoas, de substituir a Deus.

Infelizmente, a Filosofia do Direito não teve grandes evoluções nos últimos séculos, a não ser que tratemos “evolução” no sentido médico, em que o paciente pode evoluir para o resultado “morte”.

De forma talvez preguiçosa, os juristas, ignorando diversas escolas de pensamento, continuam sempre a remeter o raciocínio ao Positivismo de Kelsen, que, reconheçamos, ainda é a raiz dessas outras escolas que vieram depois.

No positivismo (em raciocínio ou estrutura), é a vontade que manda, não importando meros detalhes, como a Lei, o Direito, a Natureza ou até mesmo a inconveniente Realidade.

E a verdade é que hoje as autoridades em geral – em todos os poderes – simplesmente fazem o que querem. O único elemento necessário é a vontade. A piada de que juízes pensam que são deuses acaba por ser substituída por “juízes agem como deuses”, o que é um terror sobre a sociedade submetida, embora, em um plano histórico, isso seja uma patetice que nos remeteria a filmes do Woody Allen.

Em entrevista recente, o Ministro Toffoli, enquanto ainda era Presidente do STF, afirmou que os juízes da Suprema Corte eram “editores de um país inteiro, de uma nação inteira, de um povo inteiro”.

Humildemente peço licença para discordar, já que não só eles, mas todas as autoridades atuais não são, exatamente, “editores”, mas mais parecem “alfaiates”, praticando sempre atos sob medida – sob a medida da própria vontade.

Como o problema não é exclusividade do Judiciário, uns exemplos do legislativo são as propostas de emenda constitucional para gastar mais do que se tem, ou projetos de lei para permitir que certo indivíduo – uma pessoa, nem mesmo uma categoria de pessoas – possa ocupar cargos em estatais.

O problema é que a vontade é um saco sem fundo. Quanto mais alimentada, mais tende a ser insaciável, nos restando apenas o império da vontade, para vivermos como deuses!

E a comparação é realmente diabólica, pois as quebras que geram a tal “insegurança/insanidade jurídica” não são encaradas como absurdos, maquinações ou até favorecimentos, mas como “situação excepcionalíssima”, para usar uma expressão que acredito ter sido inaugurada pelo finado Ministro Teori Zavascki e, desde então, muito utilizada no vocabulário de altas instâncias dos três poderes.

Ora, o que será a “excepcionalidade” senão o “milagre” desses deuses, atuando pontualmente para mudar completamente situações que teriam destino natural diverso?

Como estamos na iminência do Natal, vale lembrar do Menino – esse realmente Deus – que chegou com humildade completamente destoante do Poder para exercer não a própria Vontade, mas a Vontade de quem O enviou.

Inegavelmente, Ele tinha a própria vontade, mas sua vontade ardente era de Páscoa, de passagem, passagem esta que Ele abriria para todos às custas da própria morte, pela terrível morte de cruz.

Algum dos nossos deuses aceitaria sacrificar a si mesmo? De qual mundo é esse reino?

Bruno Barchi Muniz – é advogado, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos, Pós-Graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD), membro da Associação dos Advogados de São Paulo. É sócio-fundador do escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados – www.lbmadvogados.com.br

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Emmanuel Ramos de Castro
Amante da literatura, poesia, arte, música, filosofia, política, mitologia, filologia, astronomia e espiritualidade.

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